Marco Civil da Internet e a Privacidade

Publicado no Estadão Noite, 24/02/2014

Jorge Machado
Docente do curso Gestão de Políticas Públicas

Universidade de São Paulo (USP)

A prova da afirmação de informação e dados pessoais são “o petróleo do século XXI” é o crescimento das plataformas e serviços “gratuitos” e, em alguns casos, infinitos. O Marco Civil da Internet tenta lidar com isso limitando o poder das empresas, mas falha ao ampliar o poder de intrusão do Estado na vida privada.

De fato, foi uma grande vitória do governo conseguir a aprovação da Lei a tempo de anunciá-la no Netmundial - quando muitos imaginavam que isso já não seria possível. O Marco Civil vem num grande momento, exatamente quando se discute a governança da Internet e se buscam soluções para os desafios políticos, econômicos e legais do mundo digital. Provavelmente haverá gradualmente menos espaço para censura de conteúdo, para decisões judiciais equivocadas e maior transparência na relação entre empresas e usuários.

No entanto, ativistas pelos direitos humanos demonstraram insatisfação pelo fato de Dilma não ter vetado o artigo 15, que abre uma porta perigosa para a vigilância na Web. Inexistente em versões anteriores do projeto de lei, tal artigo exige que o provedor profissional de aplicações de internet mantenha os registros de acesso a aplicações de internet por 6 meses. Isso significa que tudo que você faz quando está logado em qualquer num serviço online deverá ser registrado e armazenado para estar a disposição das autoridades. Ainda que a maioria já o faça isso por fins econômicos - já que qualquer informação sobre os hábitos dos usuários pode ser capitalizada –, é surpreendente que aqueles que optaram por não armazenar tais dados, tenham agora fazê-lo para fins de vigilância. Há que lembrar do outro artigo que estabelece também a obrigatoriedade pelos provedores de acesso à Internet de armazenarem os registros de conexão à Internet dos usuários.

A versão final aprovada da lei permite ampliar a lupa do Estado sobre o cidadão. A privacidade já vem sendo ameaçada pelas bases de dados em posse do Estado, como os hábitos de consumo registrados em programas como o Nota Fiscal Paulista, os registros de deslocamento do bilhete único ou similares, as bases de receitas médicas da ANVISA, do sistema SUS, do TSE, etc. Informações essas que proporcionam uma detalhada “radiografia” de cada cidadão. O Marco Civil vem dar ainda mais poder ao “Grande Irmão”.

A esperança de corrigir a brecha aberta pelo artigo 15 está no decreto que regulamentará o Marco Civil e no Projeto de Lei de Proteção de Dados Pessoais - cujo texto é mantido em sigilo pelo Governo.