Jorge
Alberto S. Machado
Universidade de São Paulo, 1994
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Há diferentes perspectivas que se colocam frente a questão indígena
no Brasil atual. Invariavelmente a problemática indígena dá
margens a interpretações diversas, motivadas pela diversidades
de interesses que existem. Mas a grosso modo poderermos dar uma panorama atual
da questão.
Vislumbramos dois campos opostos que defrontam, ainda que seja possível
traçar um gradiente das diferentes perspectivas que se colocam sobre
a questão indígena,. De um lado se colocam as entidades de defesa
dos direitos dos índios (como UNI, COAIB, CIMI, FOIRN) , ONGs, ambientalistas
e ecologistas defendendo a imediata e efetiva demarcação das terras
indígenas - cujo prazo final, definido pela constituição
de 1988, já expirou -, bem como toda a garantia dos direitos de posse,
usufruto e integridade das mesmas pelos índios, ademais da afirmação
de seus direitos de autodeterminação. Do outro lado do front se
encontram os políticos regionais, militares, mineradoras, empresas nacionais
e transnacionais, garimpeiros, madeireiros e elites locais, que, de um modo
geral, questionam a extensão e o direito de posse e o usufruto das terras
indígenas.E, também os militares, que alardeam acerca da ameça
a "integridade nacional" ou a "soberania nacional" devido
a cobiça internacional e o perigo de uma "internacionalização",
tese que é engrossada por oportunistas, pois o argumento tem forte apelo
emocional.
É
impossível dissertar a questão indígena desvinculando-a
das problemáticas do meio ambiente e do nosso modelo desenvolvimento.
Muitas entidades ambientalistas vêem na manutencão e proteção
do índio e sua cultura uma maneira de preservação das florestas
e da biodiversidade. Estes seriam os guardiães das matas e garantia de
preservação do santuário ecológico. Mas esse argumento
é simplista e até inocente, pois desconsidera que após
o contato com o homem branco passam a ser necessárias medidas que preservem
o índio cuturalmente e até "fisicamente". Não
é possível considerar o índio como ser isolado, alheio
e até arredio ao mundo capitalista que o circunda. É inegável
que, como qualquer conjunto de indíviduos, desejarão os mesmos
benefícios tecnológicos e econômicos. Por isso uma vez feito
o contato e irreversível o choque cultural, deve-se estimular o ingresso
monetário através do desenvolvimento de uma atividade que se harmonize
com sua cultura e com o meio ambiente. Ao contrário muitas lideranças
indígenas acabam sendo cooptadas por madeireiros e garimpeiros a cederem
parte de sua terra à exploração, como vem acontecendo em
muitas reservas.
É necessário ao mesmo tempo que se dê condições
adequadas de saúde para os mesmos, pois é inadmissível
que sucumbam por doenças que podem ser facilmente curadas ou evitadas.
A partir daí se deduz que o isolamento por si só do mesmo em suas
terras, e em seu modo de vida secular, alheio a sociedade moderna, é
ineficaz e absurdo, já que uma vez dado o contato com a civilização
ocidental a relação passa ser necessária. É este
assunto muito delicado e complexo, bem com contraditório entre os antropólogos
e autoridades governamentais. Sendo difícil haver um consenso sobre qual
seria a conduta desejável após o choque cultural.
* * *
O modelo
de desenvolvimento da região amazônica, visou por um lado a ocupação
- desordenada - através das frentes pioneiras. Estas seguiram os caminhos
abertos pelas estradas e os cursos dos rios navegáveis, atrás
de novas terras para a agricultura, pecuária e exploração
seus recursos naturais disponíveis, sejam minério ou madeira.
Estimulou-se a instalação e implantação de grandes
projetos agropecuários e agro-industriais, que, em sua maioria não
deram certo: desmataram grandes extensões de terra, expulsaram índios
e populações nativas, tendo acesso - muitas vezes fraudulosamente
- aos financiamentos da SUDAM e benefícios fiscais oferecidos pelo governo.
Por outro lado o governo federal estimulou e priorizou a instalação
de grandes multinacionais em parceria ou não com empresas estatais para
a exploração de ferro, bauxita, manganês, cassiterita entre
outros minerais. Projetos estes, que degradaram profundamente o meio ambiente
- considere-se toda a estrutura que grandes projetos demandam: hidrelétricas,
estradas de ferro (no caso de Carájas) e asfalto. Deve-se considerar
também os custos sociais como os deslocamentos de populações
indígenas e rurais e o endividamento externo contraído na forma
de empréstimo das agências internacionais. Isso tudo em detrimento
de uma política de desenvolvimento sustentado e principalmente em detrimento
da própria economia nacional, pois esse modelo exportador de matérias-primas,
além dos próprios danos incalculáveis causados pela degradação
sistemática ao meio ambiente, se mostrou altamente nocivo a economia,
e mesmo a uma política estratégica de desenvolvimento econômico
nacional, pois demanda a exploração de recursos naturais não
renováveis a preços baixos e em grande quantidade, visando quase
que tão somente o mercado externo.
Esse modelo
exportador beneficiou principalmente as elites regionais, aos militares - com
seu modelo de ocupação e exploração da Amazônia,
as grandes empreiteiras, aos grandes trusts internacionais que controlam o mercado
internacional de minérios e aos organismos financeiros internacionais.
Em suma, esse modelo de desenvolvimento causou grandes males ao meio ambiente,
à economia - numa visão estratégica - e, principalmente,
causou a exclusão de muitas populações indígenas.
Estas, carecendo de poder de negociação para enfrentar os grandes
interesses de poderosos grupos econômicos, tiveram os seus direitos usurpados.
Esse modelo exportador de matérias-primas persiste até hoje, o
que deixa bastante atual esta explanação e nos conduz a uma das
grandes causas das desigualdades econômicas internas das nações
subdesenvolvidas: as relações Norte-Sul. Essa dinâmica desigual
por sua vez acentua ainda mais as distorções históricas
nas sociedades subdesenvolvidas, o que constitui, nesta perspectiva, uma das
principais causas do nosso subdesenvolvimento.
A medida
que se ampliaram as frentes pioneiras assim como as fronteiras agrícolas,
tornou-se mais patente o choque entre fazendeiros, madeireiros com índios,
assim como a gradaul descoberta de riquezas minerais, trazendo consigo também
mineradoras e garimpeiros. Os avanços trazidos pela constituição
de 1988, reconhecendo os seus direitos sociais, culturais, políticos
e territoriais não se traduziram em garantias e melhorias efetivas aos
índios, pois parte significativa de suas terras ainda não foi
demarcada (29,5%) e com a revisão constitucional parte dos direitos indígenas
estão ameaçados. As pressões de políticos regionais
e até o apoio logístico que estes dão aos garimpeiros e
madeireiras têm sido um grande entrave à luta dos índios,
despertando fortes reações de entidades ambientalistas estrangeiras
e mesmo dos governos das nações desenvolvidas. Essas pressões
externas acabam engrossando o argumento dos que temem uma internacionalização
da Amazônia e que vêem nos índios uma ameaça potencial
a unidade nacional.
Alguns fatos colaboraram para difundir e fortalecer ainda mais essa visão
na sociedade brasileira como: a crescente compra de terras por parte das ONGs
na amazônia, visando apreservação de florestas; grandes
manobras militares pelas tropas norte-americanas na Guiana, próximas
a fronteira do Brasil e, principalmente, a Declaração das Nações
Unidas (art 1, parag. 2) que reconhece o direito de auto-determinação
dos povos, cuja a interpretação é vaga e dúbia.
Consta que na véspera da votação dessa declaração
na assembléia da ONU, o exército numa demonstração
de força realizou uma grande manobra, com um intensa mobilização
de tropas em Roraima, chegando a fechar as ruas principais de Boa Vista , fato
não noticiado pela grande imprensa e que ilustra e dá dimensão
da importância que o assunto têm nos meios militares e da delicadeza
com que deve ser tratado.
* * *
Embora o avanço que se conseguiu na luta pelos direitos dos povos indígenas no Brasil nos últimos anos, ainda latejam questões como por exemplo, i) como incentivar atividades produtivas para evitar que as comunidades indígenas fiquem na dependência de "adiantamento" de dinheiro por parte das madeireiras em troca de contratos ilícitos de extração de madeiras ou mesmo ii) como preservar e garantir a reprodução cultural e física do índio, bem como os seus costumes e tradições, após o contato com o homem branco; iii)como enfrentar a pressão dos militares preocupados com a manutenção da integridade territorial - principalmente as terras situadas em áreas de fronteira - e garantir a autonomia dos povos indígenas sem que isso possa se configurar ou ser interpretado como um risco a soberania nacional ; iv) como colocar em prática uma política efetiva de desenvolvimento sustentado para a amazônia, que possa atender as demandas sociais sem prejudicar os povos das florestas, as nações indígenas e o meio ambiente e ao mesmo tempo possa ser colocada como alternativa ao modelo atual de desenvolvimento; v) como garantir a integridade das terras indígenas frente ao avanço das fronteiras agrícolas e ao fluxo de ex-trabalhadores rurais e excedentes urbanos convertidos em garimpeiros e vi) como consolidar essas mesmas terras indígenas frente a pressão da crescente capitalização da terra e enfrentar o lobby dos grandes grupos econômicos e latifundiários no processo de revisão da carta magna. Estas são questões que se constituem desafios bem atuais aos índios, às entidantes que defendem seus direitos, bem como ao próprio governo federal e a FUNAI.
Bibliografia
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Manuela Carneiro
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