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Estudo do comportamento animal e o LESCA

Neste texto farei um brevíssimo histórico de estudos sobre comportamento animal e ao final tentarei encaixar o LESCA nesse contexto em termos de abordagem e métodos.

Do século XVIII até o século XIX, duas escolas de pensamento discutiram avidamente sobre qual a maneira mais adequada de se estudar o comportamento animal. Fisiologistas como Charles Bell (1774-1842), François Magendie (1783-1855) e Pierre Flourens (1794-1867) foram dos precursores da escola mecanista, um grupo de pensadores que defendia arduamente o empiricismo e a realização de experimentos. Eles davam continuidade a uma linha de pensamento de certa forma iniciada por René Descartes (1596-1650) que iria influenciar cientistas por décadas, dentre os quais Jacques Loeb (1859-1924) e Ivan Pavlov (1849-1936). Tais cientistas buscavam encontrar leis do comportamento, preocupando-se principalmente com questões proximais e do desenvolvimento. Essa escola defendia o rigoroso controle das condições experimentais e para isso a pesquisa deveria necessariamente ser feita em laboratório. Deles veio o grupo da “Psicologia Experimental”, ao qual também pertenciam William James (1842-1910), Edward Thorndike (1874-1949), John Watson (1878-1958) e Burrhus Frederic Skinner (1904-1990). Estes ficaram famosos por seus experimentos de condicionamento e aprendizagem como um todo, utilizando vertebrados como modelos.

Paralelamente a este grupo, desenvolvia-se uma maneira diferente de estudar o comportamento. Eram pessoas que observavam os animais durante suas caminhadas no campo e eventualmente faziam anotações. Menos preocupados com leis do comportamento que necessariamente valessem para qualquer táxon, procuravam muitas vezes exatamente as diferenças entre as espécies. Estes eram os chamados naturalistas, dentre os quais podemos destacar o Comte de Buffon (1707-1788), Fritz Muller (1821-1897), Henry Bates (1825-1892) e o próprio Charles Darwin (1809-1882), entre outros. Um marco histórico neste grupo veio com Nikolaas Tinbergen (1907-1988), Karl von Frisch (1886-1982) e Konrad Lorenz (1903-1989), cientistas que receberam prêmio Nobel de Medicina (já que não há prêmio para etologia) por seus elegantíssimos trabalhos em comportamento animal. Trabalhando predominantemente no campo e por vezes com uma abordagem experimental, estes pesquisadores são considerados os pais da etologia.

Tinbergen estabeleceu as famosas “quatro questões sobre o comportamento”: quais são os fatores exógenos e endógenos que desencadeiam um comportamento, como o comportamento se desenvolve em um indivíduo, qual o valor adaptativo dos comportamentos e, finalmente, como esses comportamentos se originaram e se modificaram ao longo da história evolutiva de uma linhagem. No sistema de Edward Wilson, as duas primeiras questões se encaixariam no que ele chamou de questões proximais e as duas últimas no que chamamos de questões distais do comportamento, ou ainda as questões do tipo “como” e “por que” de John Alcock. Talvez por conta da discussão entre a importância dos instintos versus a aprendizagem no estabelecimento do comportamento (uma discussão sobre questões proximais), talvez pela falta de compreensão dos etólogos da época sobre a seleção em nível de indivíduo em oposição à seleção de grupo (uma discussão sobre questões distais), questões proximais foram mais estudadas do que questões distais da década de 50 até início da década de 70. Após a aceitação dos trabalhos de George Williams (1926-2010) sobre seleção em nível do indivíduo, o fim da controvérsia instinto versus aprendizagem e talvez também por influência dos trabalhos de Edward Wilson (como “Sociobiology, 1975”), a quantidade de trabalhos sobre causas distais do comportamento aumentou.

Felizmente, nos últimos anos, ecólogos comportamentais (que estudam principalmente causas distais), têm se interessado nas causas proximais do comportamento e neurobiólogos e psicólogos cognitivistas (que estudam primariamente as causas proximais) têm utilizado o método comparativo e a abordagem evolutiva. A visão de que uma abordagem é melhor ou mais importante do que a outra como acontecia nos tempos dos embates científicos entre naturalistas e psicólogos experimentais está obsoleta e não faz mais sentido.

Onde se insere o LESCA nesse contexto? Nosso laboratório possui duas linhas de pesquisa: ecologia sensorial e comportamento de aracnídeos. Na primeira, investigamos questões essencialmente proximais quando testamos, por exemplo, as modalidades sensoriais importantes para um animal encontrar um parceiro sexual e questões evolutivas quando tentamos entender como se deu a evolução de estruturas sensoriais ou glandulares em determinadas linhagens. Na segunda linha de pesquisa, investigamos questões proximais ao descrevermos, por exemplo, os mecanismos de captura de presas e questões evolutivas ao demostrarmos o valor adaptativo de certos mecanismos defensivos.

Metodologicamente, para ambas as linhas de pesquisa, utlilizamos técnicas que de certa forma nos aproximam dos naturalistas como observações e descrições do comportamento no campo e técnicas mais parecidas com as da psicologia experimental quando realizamos experimentos em condições rigorosamente controladas de laboratório. Adicionalmente, realizamos estudos morfológicos e químicos que nos auxiliam a responder nossas perguntas.

Rejeitamos a idéia de que determinada abordagem ou técnica é mais importante do que outra. Pensamos que há problemas biologicamente interessantes para serem resolvidos tanto nas causas proximais quanto distais do comportamento e que métodos experimentais ou descritivos são igualmente úteis dependendo de qual pergunta deve ser respondida. A união entre estas abordagens e técnicas só tem a contribuir a uma melhor compreensão dos mais diversos aspectos desses animais que tanto nos fascinam.

Referências consultadas

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