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  • Temporalidades

    por 
    Luiz Menna-Barreto e Mario Pedrazzoli
    resumo 
    Esta edição da Revista Estudos Culturais foi dedicada a estudos sobre o tempo, tema recorrente em diversas áreas do conhecimento e que vem adquirindo relevância crescente num mundo globalizado no qual as pessoas acabam se expondo a desafios inéditos até meados do século XX. Atravessamos fusos horários, acompanhamos bolsas de valores em Tóquio e Nova York e assistimos a jogos que ocorrem do lado oposto do planeta, numa sucessão de eventos que acontecem em tempos próprios e que nem sempre coincidem com os tempos de cada indivíduo. Surge nesse contexto certa tensão entre nossas percepções da passagem do tempo, aquela interna que dialoga com nosso sono ou fome e a outra externa, imposta pelos vários relógios aos quais tentamos obedecer. Dessa tensão emergem reflexões que trazemos aos leitores, reflexões inspiradas em diferentes olhares que vão desde aspectos filosóficos e sociológicos a aspectos biológicos.
  • Sobre os autores

    resumo 
    Luiz Menna-Barreto, Mario Pedrazzoli, Robert Levine, Muara Kizzi Figueiredo, Rafael H. Silveira, Rafael Chequer Bauer, Alexandre Panosso Neto e Luiz Gonzaga Godoi Trigo escrevem no número dois da Revista de Estudos Culturais.
  • Ordem e progresso, aceleração e alienação

    por 
    Rafael H. Silveira
    resumo 
    Como diversos exemplos dados em Aceleração e alienação [1] [1] ROSA, Hartmut. Beschleunigung und Entfremdung: Entwurf einer kritischen Theorie spätmoderner Zeitlichkeit. Traduzido do inglês para o alemão por Robin Celikates. Berlim: Suhrkamp Verlag, 2013. confirmam, a condição de especialista no campo da aceleração social muitas vezes não exime o próprio autor da ação dos fenômenos por ele analisados – sobretudo por se tratar de uma das personalidades acadêmicas mais conhecidas, citadas e requisitadas na imprensa alemã atualmente. Como minha resenha da análise de Hartmut Rosa mostra, a obra está longe de ser die Entdeckung der Langsamkeit ou um éloge de la lenteur, como interpretado por alguns. No diálogo, conduzido em 23/10/2014 na cidade de Jena, Alemanha, originalmente em alemão, transcrito, editado e traduzido para o português por Rafael H. Silveira, são abordados pontos que complementam o entendimento da Teoria da Aceleração através de uma perspectiva voltada para a realidade brasileira.
  • Tempo e bem estar

    por 
    Robert Levine
    resumo 
    Neste artigo examino o impacto da experiência temporal – o emprego do tempo, concepções do tempo e normas temporais - sobre a felicidade e o bem estar; sugiro políticas públicas voltadas à ampliação dessa experiência. Inicio com uma revisão da literatura relativa às interrelações entre o tempo, dinheiro e felicidade. Em segundo lugar, reviso dados e questões em torno dos horários de trabalho e não trabalho ao redor do mundo. Em terceiro lugar, descrevo numa perspectiva mais ampla as questões temporal que deveriam ser levadas em consideração nas decisões de políticas públicas, por exemplo, medidas de relógio versus eventos, enfoques monocrônicos versus policrônicos, definições de tempo perdido, ritmo de vida e orientação temporal. Concluo com sugestões para a elaboração de políticas do emprego do tempo voltadas para aumentar a felicidade individual e coletiva. Trata-se de um truísmo virtual o modo como empregamos nosso tempo se expressa no modo como vivemos nossas vidas. Nosso tempo é o bem mais valioso do qual dispomos. Boa parte desse tempo, no entanto, é controlado por outros, desde nossos empregadores até nossos familiares mais próximos. Também está claro que existem diferenças profundas – individuais, sócio econômicas, culturais e nacionais – no grau de controle que indivíduos exercem sobre seus próprios tempos (ver p. exemplo LEVINE, 1997; LEE, et al., 2007). Pode ser argumentado que políticas públicas são necessárias para proteger os “direitos temporais” dos indivíduos, particularmente aqueles mais vulneráveis à exploração. Este artigo foi motivado por um projeto de largo espectro do qual tive a oportunidade de participar. O projeto começou na primavera de 2012 na sequência de uma resolução da ONU, aprovada por unanimidade em sua Assembleia Geral, na qual “felicidade” foi incluída na agenda global. O Butão foi convidado a receber um grupo interdisciplinar de “experts” internacionais com a tarefa de elaborar recomendações para incentivar a busca da felicidade no planeta; mais especificamente desenvolver um “novo paradigma para o desenvolvimento mundial”. O Butão é um pequeno país pobre, cercado de montanhas na região do Himalaia, foi escolhido para essa tarefa em função do pioneirismo de seu projeto de “Felicidade Nacional Bruta” - FNB (Gross National Happiness - GNH). “Progresso” na definição dos autores desse projeto, “deveria ser visto não apenas através das lentes da economia como também a partir de perspectivas espirituais, sociais, culturais e ecológicas”. Felicidade e desenvolvimento, em outras palavras, dependem em mais fatores do que o crescimento e acumulação de capital. Inglaterra, Canadá e outros países e organizações de dimensões nacionais seguiram na mesma direção do Butão, estabelecendo medidas de FNB (LEVINE, 2013). Um dos domínios centrais do índice de FNB do Butão é “emprego do tempo” que correspondeu à minha participação no relatório do grupo de estudo. Este artigo está bastante apoiado naquele relatório e nas inferências que o projeto me proporcionou. Discuto quatro conjuntos de temas: I. As interrelações entre tome, dinheiro e felicidade. Máxima importância, qual a relevância do emprego do tempo com o bem estar e a felicidade? II. Emprego do tempo: questão dos horários e políticas de organização do trabalho. III. Outors fatores tempais que devem ser considerados ao formularo políticas de promoção de felicidade.. IV. Sugestões para elaboração de políticas: a chamada para uma “Lei de Direitos Temporais”.
  • A ilusão dos relógios: uma ameaça à saúde

    por 
    Mario Pedrazzoli
    resumo 
    A mecanicidade ou digitalidade dos relógios representa a imutabilidade da duração de frações de tempo. A contagem das 24h de um dia teve como referência, a princípio, as pistas ambientais associadas às condições do dia e da noite que são diferentes em diferentes locais da terra e portanto mutáveis. A emergência de uma sub-área da Biologia, a Cronobiologia, em meados do século XX permitiu a interpretação de que a apreensão do tempo de um dia como regularidade mecânica aliena os seres humanos da percepção da temporalidade diária como integração entre temporalidade ambiental e temporalidade biológica. Pretendo demonstrar que esse equívoco perceptual da duração do tempo de um dia pode ter como consequência uma desorganização temporal fisiológica que é a origem ou está associada a origem de muitas doenças modernas.
  • Os horários fora de lugar – ritmos biológicos e literatura

    por 
    Muara Kizzy Figueiredo
    resumo 
    Este trabalho analisa a relação existente entre personagens e ambiente e objetiva investigar como, supostamente, se deu a implantação no Brasil do século XIX dos ritmos sociais europeus, tendo em vista os ritmos biológicos da população brasileira (em termos coletivos) – adaptada ao ambiente tropical. Para tal estudo, foram analisados alguns textos literários do período (em especial a obra de Machado de Assis e Eça de Queirós) - visando identificar menções aos horários de sono, refeições, atividades sociais e aspectos do sono; bem como a leitura de autores contemporâneos que discutem a construção de identidades nacionais – em especial no Brasil – e ainda; autores que investigam a temática do tempo – seja em termos cronológicos, psicológicos e biológicos.
    palavras-chave 
  • Slow movement: reação ao descompasso entre ritmos sociais e biológicos

    por 
    Rafael Chequer Bauer, Alexandre Panosso Netto e Luiz Gonzaga Godoi Trigo
    resumo 
    Este artigo discute o descompasso entre os ritmos biológicos e os ritmos sociais emergentes a partir da Revolução Industrial. Para tal, são apresentados indícios de mudanças rítmicas nas últimas décadas, acarretando um processo contínuo e profundo de aceleração e mecanização sociocultural, predominante nas estruturas societárias capitalistas. Em seguida, discute-se a relação entre ritmos sociais e ritmos biológicos, com a contribuição conceitual advinda da Cronobiologia. Por fim, destaca-se o processo de surgimento e consolidação do Slow Movement nas últimas décadas, tornando-se mais um indício da desarticulação temporal vivenciada nos dias atuais.
  • Os tempos da vida

    por 
    Luiz Menna-Barreto
    resumo 
    O tema do tempo tem atraído bastante atenção no ambiente acadêmico contemporâneo. Apresentarei uma abordagem na qual são associados os conceitos de condicionamento reflexo clássico com a cronobiologia, área na qual a dimensão temporal da matéria viva é explorada. O conceito de antecipação é proposto como elo central dessa associação. Discuto a seguir os níveis de determinação que podem ser propostos a partir da observação de fenômenos temporais nos organismos. Concluo com as noções de desafios e armadilhas temporais que parecem caracterizar fortemente os dilemas humanos num mundo globalizado, conduzindo a diferentes processos de adaptação resultantes desses desafios e armadilhas.
  • Resenha do livro Aceleração e alienação: Esboço de uma teoria crítica da temporalidade na Modernidade tardia, Harmut Rosa

    por 
    Rafael H. Silveira
    resumo 
    Em Aceleração e alienação: Esboço de uma teoria crítica da temporalidade na Modernidade tardia, Hartmut Rosa recapitula resumidamente e amplia sua Teoria da Aceleração Social. A ampliação da teoria se dá em primeiro lugar através da análise de elementos desaceleradores da tendência aceleratória e, em seguida, da análise das consequências da aceleração para a Teoria Crítica social atual, cujos questionamentos levantados e respostas dadas até o presente momento não apresentariam uma solução para a perda da credibilidade do projeto da Modernidade, uma vez que a aceleração social teria sucumbido e instrumentalizado a possibilidade de autonomia prometida. Partindo da busca de uma resposta à questão de o que seria uma vida plena, Rosa retraça, assim, o contexto do surgimento de diferentes categorias de alienação, retratando em sua teoria uma tendência social crescente extremamente relevante e em crescimento na era moderna.

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  • editorial
  • sobre os autores
  • Funk ostentação em São Paulo: imaginação, consumo e novas tecnologias da informação e da comunicação

    Funk ostentação em São Paulo: imaginação, consumo e novas tecnologias da informação e da comunicação

    por 
    Alexandre Barbosa Pereira
    resumo 
    O artigo aborda a configuração recente de um movimento musical, protagonizado principalmente por jovens de origem pobre, em São Paulo, o funk ostentação. A partir da pesquisa em casas noturnas e da observação de videoclipes na internet, explora-se a importância das referências a marcas de diferentes produtos e bens de valor elevado e a imagem como componente fundamental para a apresentação e divulgação desse estilo musical. Nesse circuito funk, a proposição de Arjun Appadurai sobre a centralidade do deslocamento pelas migrações e novas tecnologias da comunicação mostra-se como um caminho importante para se refletir sobre esse funk a partir da ideia de imaginação.
  • Marcos fundamentais da Literatura Periférica em São Paulo

    Marcos fundamentais da Literatura Periférica em São Paulo

    por 
    Antonio Eleison Leite
    resumo 
    A literatura da periferia de São Paulo se divide em dois períodos históricos: a) Literatura Marginal, de 2000 a 2005 e b) Literatura Periférica, a partir de 2005 até os dias atuais. A primeira fase teve como marco inaugural a publicação do livro Capão Pecado, de Ferréz, no ano 2000, obra muito influenciada pela cultura hip hop, especialmente o RAP. Este escritor foi o principal nome dessa fase, sendo também seu maior articulador, ao coordenar inúmeras coletâneas literárias que proporcionaram o surgimento de dezenas de autores. O segundo período é marcado pela ascensão dos saraus, principalmente do Sarau da Cooperifa. Este Coletivo publicou sua antologia em 2005 e estimulou diversos saraus a fazerem o mesmo. Viabilizados, em boa parte, por políticas públicas, perto de 200 livros, coletivos e individuais, foram lançados desde então, configurando um vigoroso movimento cultural. Entretanto, passados 12 anos, a rubrica periférica e/ou marginal se mostra insuficiente para identificar essa prática literária. Este artigo apresenta duas hipóteses para superação desse problema. A primeira é contextualizar a literatura periférica como uma dimensão da cultura popular urbana, ampliando assim o seu alcance como expressão cultural, sem prejuízo da sua identificação de origem. A segunda é de ordem estética e implica na afirmação da busca da qualidade como um imperativo da criação. Esse desafio, porém, requer, por parte dos escritores, uma disposição para se submeterem à crítica, ao mesmo tempo em que torna-se necessário um novo paradigma crítico que possa responder à especificidade dessa literatura.
  • Estudios culturales en América Latina

    Estudios culturales en América Latina

    por 
    Eduardo Restrepo
    resumo 
    Duas grandes confusões parecem operar, com frequência, nos discursos em torno dos estudos culturais na América Latina. A primeira é a equivalência de estudos culturais e estudos sobre a cultura. A segunda, muito frequente no contexto estadunidense, é misturar sob o rótulo de estudos culturais a produção heterogênea de intelectuais latino-americanos que abordaram assuntos de cultura e poder e a de acadêmicos latino-americanistas das universidades do Norte. Neste artigo se evidenciam os problemas de ambas as confusões e se sublinham algumas de suas nefastas consequências para a articulação de um projeto intelectual e político de estudos culturais na América Latina.
  • Valesca Popozuda: ministra da Educação

    Valesca Popozuda: ministra da Educação

    por 
    Aristóteles Berino
    resumo 
    Os chamados funks sensuais fazem parte da cultura juvenil da cidade do Rio de Janeiro. Valesca Popozuda é uma das suas principais estrelas, amplamente conhecida através das mídias. As vozes femininas do funk chamam atenção pelas letras que narram façanhas e fantasias que destoam da imagem que são destinadas ao sexo feminino. São vozes que que presentificam existências recalcadas pelo falocentrismo dominantes nas narrativas sobre o amor, o sexo e a vida na cidade. Seus aspectos políticos e culturais são agora estudados e debatidos. A política convencional também desperta para a cultura popular das periferias. O artigo lembra dois encontros ocorridos entre Lula e Valesca Popuzada, nos anos de 2008 e 2009. Oportunidade para a funkeira entregar ao então presidente uma letra de música que fala da favela, do funk, dos jovens e até da possibilidade de ser ministra da Educação. O artigo discute a intromissão das vozes femininas dos funks sensuais na vida das cidades como agenciamento politicamente significativo através das interpelações que produz. Na tradição dos estudos culturais, se propõe a problematizar o poder através também da criação popular no circuito da cidade.
  • Rolezinhos: Marcas, consumo e segregação no Brasil

    Rolezinhos: Marcas, consumo e segregação no Brasil

    por 
    Rosana Pinheiro-Machado e Lucia Mury Scalco
    resumo 
    No início de 2014, o fenômeno conhecido como rolezinho ganhou ampla visibilidade nacional e internacional. Trata-se de adolescentes das periferias urbanas que se reúnem em grande número para passear nos shopping centers de suas cidades. O evento causou apreensão nos frequentadores e fez com que alguns proprietários dos estabelecimentos conseguissem o direito na justiça de proibir a realização dos rolezinhos, barrando o acesso dos jovens. Desde então, emergiu um amplo debate sobre segregação na sociedade brasileira. Com base em uma pesquisa etnográfica sobre consumo popular com jovens da periferia de Porto Alegre, o artigo analisa o fenômeno dos rolezinhos, abordando suas dimensões locais, nacionais e globais. Levando em consideração o atual momento brasileiro, que versa sobre políticas de ascensão social via consumo e sobre uma onda de protestos de inquietação social, argumentamos que os rolezinhos estão se modificando e encontrando diversas formas de discutir e realizar política cotidiana no âmago de uma sociedade segregada.
  • Matriz biológico-cultural da existência humana: fundamentos para aprender, ensinar e educar

    Matriz biológico-cultural da existência humana: fundamentos para aprender, ensinar e educar

    por 
    Maria Elena Infante-Malachias
    resumo 
    Neste ensaio apresentamos uma reflexão sobre a matriz biológico-cultural da existência humana a partir da epistemologia da Biologia do Conhecer, que considera o conhecimento a partir do sujeito que conhece. A matriz que constitui o cerne da Biologia Cultural corresponde à trama relacional onde o homem surge se realiza e conserva o seu viver humano. Nesta trama relacional que se inicia em um processo histórico que teve a sua origem há bilhões de anos, surgem todos os mundos que vivemos como as distintas dimensões do nosso viver cultural. Discutimos a relevância desta perspectiva, que considera ao mesmo tempo a constituição biológica e a cultura, para as relações humanas do ensinar e aprender e destacamos a possibilidade de transformação que surge ao considerar o outro como um legítimo outro na convivência.
  • Ethnical Afro Tourism in Brazil

    Ethnical Afro Tourism in Brazil

    por 
    Luiz Gonzaga Godoi Trigo e Alexandre Panosso Netto
    resumo 
    O artigo desenvolve uma discussão teórica sobre o turismo étnico afro no Brasil. A temática somente recentemente tem merecido a devida atenção dos estudiosos, motivo pelo qual se justifica a abordagem. Os objetivos são três: 1) revisar a história das culturas afros no Brasil; 2) identificar as forças que garantem o respeito a essas identidades e; 3) analisar como os destinos afro devem ser trabalhados neste contexto. A metodologia empregada é a revisão teórica dos textos que abordam a cultura afro brasileira, tendo como pano de fundo da discussão os delineamentos dos estudos culturais. Conclui-se que o produto turístico com base na cultura afro é um produto viável no Brasil, porém deve primar pelos quesitos de respeito, alteridade, ética e valorização de todas as culturas envolvidas no processo.
  • Alfabetização científica e cartográfica no ensino de ciências e geografia: polissemia do termo, processos de enculturação e suas implicações para o ensino

    Alfabetização científica e cartográfica no ensino de ciências e geografia: polissemia do termo, processos de enculturação e suas implicações para o ensino

    por 
    Veronica Guridi e Valeria Cazetta
    resumo 
    Neste trabalho realizamos uma análise crítica com relação ao significado do conceito “alfabetização científica” dentro do campo da Educação em Ciências e em Geografia. Constatamos que o termo é ainda bastante polissêmico e que dependendo do enfoque adotado, se seguem diferentes implicações para o ensino de Ciências. Concluímos mostrando uma definição do termo que incorpora elementos dos recentes estudos na área bem como da vertente dos Estudos Culturais em Educação.
  • A fome antropofágica - utopias e contradições

    A fome antropofágica - utopias e contradições

    por 
    Fernanda Oliveira Filgueiras Santos e Mauro de Mello Leonel
    resumo 
    O Modernismo no Brasil significou um marco, que anunciou o fim de um período cultural caracterizado pelo legado e pelo conservadorismo. O Movimento Antropofágico foi a síntese artística e intelectual dessas reflexões. Este trabalho se propõe a discutir as contribuições e controvérsias deixadas pelo movimento no contexto de urbanização e cosmopolitismo em que ele emergiu na cidade de São Paulo.
    palavras-chave 
  • A versão encantada da pós-modernidade

    A versão encantada da pós-modernidade

    por 
    Mauro de Mello Leonel e Maira Mesquita
    resumo 
    O livro em epígrafe tem como objetivo principal relatar com rigor cronológico as origens das versões de pós-modernidade ("não como idéia, mas como fenômeno"), remontando ao modernismo. Numa abordagem incomum o autor percorre, no tempo e nas circunstâncias, as dimensões estéticas, históricas e políticas da express
  • Dossiê "Temporalidades"

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  • Editorial

    Editorial

    por 
    os editores
    resumo 
    A Revista Estudos Culturais chega agora ao seu número três, no mesmo momento em que o Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais da EACH-USP completa seu sexto ano de atuação. O amadurecimento de nossas empreitada é marcado pela amplitude dos temas desta edição da Revista. O campo dos estudos culturais, sempre liberto das amarras disciplinares tradicionais, aparece aqui em várias de suas múltiplas chaves.
  • Sobre os autores

    Sobre os autores

    resumo 
    Eduardo Wanderley Martins, Carlos Velázquez, Damián Cabrera, Madalena Pedroso Aulicino, Daniela Signorini Marcilio, Agnès García Ventura, André Vitor Brandão Kfuri Borba e Mariana Moreira.
  • Mídia: o Novo Totem Dessacralizado

    Mídia: o Novo Totem Dessacralizado

    por 
    Eduardo Wanderley Martins e Carlos Velázquez
    resumo 
    O presente texto tem como objetivo refletir sobre a função de mediação da Mídia para o Sagrado, partindo da concepção de Mídia como novo totem nas sociedades contemporâneas. Sob a metodologia indutivo-analítica de base bibliográfica e documental, explora-se a hipótese de que a mídia, como novo totem nas sociedades midiáticas , cumpre a função organizadora, mas não a função mediadora. A mídia não liga as aspirações e necessidades humanas ao Transcendente, encerrando em si mesma a satisfação dessas aspirações através do fornecimento de bens simbólicos, mas que não têm contato com suas fontes originárias – não há relação com o Sagrado. Dessa forma, a mídia se apresenta nas sociedades midiáticas como um totem dessacralizado - oferece bens de grandes valores universais, mas desprovidos de lastro divino.
    palavras-chave 
  • Literatura paraguay/guaraní - transversalidades

    Literatura paraguay/guaraní - transversalidades

    por 
    Damián Cabrera
    resumo 
    Passando por trabalhos compilatórios dos escritores paraguaios Augusto Roa Bastos e Rubén Bareiro Saguier, e a partir de discursos literários e não literários, analisa-se a ambiguidade fundada na palavra guarani; que designa, indistintamente, uma língua, uma cultura, uma etnia; e que, por metonímia, constitui-se em apelido-gentílico dos paraguaios. Relações entre literatura paraguaia e literatura Guarani são exploradas, desde a perspectiva dos autores citados; tanto conhecedores e divulgadores da mesma, como dois dos poucos paraguaios capazes de ultrapassar um cerco de isolamento cultural graças, em parte, ao exílio político; sob a luz de uma tradição crítica latino-americana hispanizante que, enquanto invisibiliza a literatura paraguaia, contribui com uma mistificação dela, fundada em sua peculiaridade linguística, seja ela real ou inventada.
    palavras-chave 
  • O brincar e o saber de experiência: uma forma de resistir

    O brincar e o saber de experiência: uma forma de resistir

    por 
    Madalena Pedroso Aulicino e Daniela Marcílio
    resumo 
    O brincar é uma atividade livre e séria, possui finalidade autônoma e é um intervalo da vida cotidiana (HUIZINGA, 2005; CAILLOIS, 1990). A criança se desenvolve, adquire experiência, constrói e transmite sua cultura lúdica brincando (WINNICOTT, 1979; BROUGÈRE, 2008). Mas, que brincar é esse promovido e recomendado na atualidade? O objetivo desse artigo é refletir sobre a redução do tempo da infância em prol de uma ideologia da produção e do consumo, que valoriza a informação, o conhecimento e o aprendizado técnico e científico, e reduz o “saber de experiência” (BONDÍA, 2002). Nesse contexto, a retomada do brincar como atividade livre e uma experiência de vida seria uma possibilidade de resistência aos valores vigentes. Constatou-se que os Estudos Culturais como estratégia crítica e política podem contribuir para repensar o brincar hoje.
    palavras-chave 
  • Investigación feminista, historia de las mujeres y mujeres en la historia en los estudios sobre Próximo Oriente Antiguo

    Investigación feminista, historia de las mujeres y mujeres en la historia en los estudios sobre Próximo Oriente Antiguo

    por 
    Agnès García Ventura
    resumo 
    Suele decirse que el estudio del pasado siempre tiene relación con el presente y con el futuro, bien porque presente y futuro se construyen a su imagen y semejanza, bien porque no podemos imaginar un pasado sin los referentes de nuestro presente. Por este motivo, ocuparse de la historia de las mujeres en la Antigüedad y de cómo incluir a las mujeres en la historia, nos permite reflexionar acerca de la situación de las mujeres en el mundo presente en el que vivimos y en el mundo futuro en el que querríamos vivir. En este artículo propongo aproximarnos a este tema con las herramientas críticas de la investigación feminista, ilustrando la propuesta con algunos ejemplos acerca de cómo algunos sesgos pueden afectar al modo en que se aborda el estudio de las vidas de las mujeres en el Próximo Oriente Antiguo.
  • A higienização do século XIX e o "contra corrupção" do século XXI: Similaridades no discurso das elites no Brasil

    A higienização do século XIX e o "contra corrupção" do século XXI: Similaridades no discurso das elites no Brasil

    por 
    André Vitor
    resumo 
    Cada momento histórico é único, mas carrega em si tensões permanentes, num paradoxo entre o novo e o velho, valendo-se de novas experiências sem, entretanto, negar toda a bagagem cultural adquirida. Assim, este trabalho busca relacionar dois momentos distintos da história do Brasil, mas com características em comum: a higienização do início da República e o momento recente, em que estava em jogo o mandato da presidente Dilma Rousseff. Por ser o Brasil um país com pouca mobilidade social e sem alterações substanciais no seu controle político, veremos como os interesses das camadas superiores da sociedade se reproduzem e se perpetuam, no intuito de fazer a população aderir a essa ideologia em favor de seus interesses privados.
    palavras-chave 
  • Resenha do livro Memória Coletiva e Identidade Nacional, Miryam Santos

    Resenha do livro Memória Coletiva e Identidade Nacional, Miryam Santos

    por 
    Mariana Moreira
    resumo 
    A presente resenha aborda o livro “Memória Coletiva e Identidade Nacional”, de autoria de Myrian Sepúlveda dos Santos. Importante pesquisadora de temas como memória, identidade, práticas políticas, culturais e relações raciais, obteve seu título de doutora em Sociologia pela New School for Reserch de Nova Iorque e desenvolveu pesquisas em pós-doutorado no Centro de Estudos Latino-Americanos da University of Cambridge; no Centro de Pesquisa sobre Relações Sociais da Université de Paris V e no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Atualmente é professora associada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e coordena o Grupo de Pesquisa Cultura e Poder, registrado no CNPQ Arte, e o museu Afrodigital. Suas análises abordam teorias de nomes de grande relevância para os Estudos Culturais como Karl Marx, Walter Benjamin, Michel Foucault, Maurice Halbwach, Stuart Hall entre outros.
    palavras-chave 
artigo anterior 

Slow movement: reação ao descompasso entre ritmos sociais e biológicos

por 
Rafael Chequer Bauer, Alexandre Panosso Netto e Luiz Gonzaga Godoi Trigo
resumo 
Este artigo discute o descompasso entre os ritmos biológicos e os ritmos sociais emergentes a partir da Revolução Industrial. Para tal, são apresentados indícios de mudanças rítmicas nas últimas décadas, acarretando um processo contínuo e profundo de aceleração e mecanização sociocultural, predominante nas estruturas societárias capitalistas. Em seguida, discute-se a relação entre ritmos sociais e ritmos biológicos, com a contribuição conceitual advinda da Cronobiologia. Por fim, destaca-se o processo de surgimento e consolidação do Slow Movement nas últimas décadas, tornando-se mais um indício da desarticulação temporal vivenciada nos dias atuais.
próximo artigo 

Resenha do livro Aceleração e alienação: Esboço de uma teoria crítica da temporalidade na Modernidade tardia, Harmut Rosa

por 
Rafael H. Silveira
resumo 
Em Aceleração e alienação: Esboço de uma teoria crítica da temporalidade na Modernidade tardia, Hartmut Rosa recapitula resumidamente e amplia sua Teoria da Aceleração Social. A ampliação da teoria se dá em primeiro lugar através da análise de elementos desaceleradores da tendência aceleratória e, em seguida, da análise das consequências da aceleração para a Teoria Crítica social atual, cujos questionamentos levantados e respostas dadas até o presente momento não apresentariam uma solução para a perda da credibilidade do projeto da Modernidade, uma vez que a aceleração social teria sucumbido e instrumentalizado a possibilidade de autonomia prometida. Partindo da busca de uma resposta à questão de o que seria uma vida plena, Rosa retraça, assim, o contexto do surgimento de diferentes categorias de alienação, retratando em sua teoria uma tendência social crescente extremamente relevante e em crescimento na era moderna.
 
dossiê temporalidades

Os tempos da vida

por 
Luiz Menna-Barreto
resumo 

O tema do tempo tem atraído bastante atenção no ambiente acadêmico contemporâneo. Apresentarei uma abordagem na qual são associados os conceitos de condicionamento reflexo clássico com a cronobiologia, área na qual a dimensão temporal da matéria viva é explorada. O conceito de antecipação é proposto como elo central dessa associação. Discuto a seguir os níveis de determinação que podem ser propostos a partir da observação de fenômenos temporais nos organismos. Concluo com as noções de desafios e armadilhas temporais que parecem caracterizar fortemente os dilemas humanos num mundo globalizado, conduzindo a diferentes processos de adaptação resultantes desses desafios e armadilhas.

abstract 

Time attracts much attention in the contemporary academic universe. In this article I will propose an association between the concepts of classical reflex conditioning and chronobiology, area in which the temporal dimension of living organisms is studied. The concept of anticipation is proposed as the central link of this association. Distinct levels of determination may be explored based on observations of temporal phenomena in organisms. The notions of temporal challenges and traps seem appropriate to describe human dilemmas in a globalized world; such concepts may help the clarification of the different processes of adaptation.

 

A dimensão temporal da matéria viva - pressupostos materialistas

O conhecimento biológico tem origem, relevância e permanência no contexto sócio-histórico no qual é produzido, articula-se assim com outros aspectos da cultura, o que torna necessária sua leitura nesse contexto. Dessa forma, mudanças nos paradigmas dominantes adquirem sentidos que ultrapassam a lógica interna atribuída aos fenômenos vitais (KUHN, 2003). Evidentemente, essa abordagem crítica não pode pretender eliminar achados e interpretações no acervo do conhecimento biológico, mas pode e deve situar esse acervo nos cenários nos quais foi concebido. Uma questão recorrente no meio científico dedicado a estudos biológicos é a origem dos fenômenos, que se refere a quando e por quem foram identificados e descritos, qual o impacto que causaram no ambiente acadêmico e na cultura em geral, e como se desenvolveram estudos posteriores inspirados nos achados originais. Muitos textos nos remetem à Grécia Antiga como sede das primeiras perguntas sobre os seres vivos e que mais tarde frutificaram na forma do que hoje se entende por conhecimento contemporâneo. Assim é o caso da descrição do movimento das folhas do tamarindo feita por Androstenes de Tassos em 325 a.C., segundo o relato de Schildknecht (1983) que se constituiria no primeiro registro da possível existência de um sistema de temporização atuante em um ser vivo e expresso por oscilações, que hoje denominamos ritmos biológicos. O registro seguinte sobre o tema dessas oscilações nos seres vivos é do começo do século XVIII , quando um astrônomo francês observou e publicou um relato sobre os movimentos das folhas de uma planta, a sensitiva (Mimosa pudica), acrescido então da novidade de um experimento: a planta foi colocada em um porão, com obscuridade constante e mesmo nessas condições constantes (iluminação) os movimentos das folhas persistiram por alguns dias (DE MAIRAN, 1729). Ainda de acordo com os registros conhecidos, o fenômeno voltou a ser estudado desta vez por um botânico (DE CANDOLLE, 1832) que não só replicou o achado anterior na mesma espécie de planta, como mediu a duração (período) do ciclo de abertura e fechamento das folhas da sensitiva mantida sob claridade constante. Fenômenos semelhantes em animais começaram a ser descritos no início do século XX e logo em seguida vemos estudos em seres humanos. A presença de oscilações regulares no funcionamento de praticamente todos os seres vivos, interpretada como processo de adaptação aos ciclos ambientais (notadamente ao ciclo de iluminação presente na sequência dia/noite), constituiu a base empírica de uma nova área na Biologia, a Cronobiologia[1] [1]A Cronobiologia pode ser definida como a área de estudo da dimensão temporal da matéria viva e o marco histórico geralmente aceito para o seu surgimento foi o Cold Spring Harbor Simposium de 1960.. A própria denominação da área, um neologismo criado para caracterizar fenômenos até então pouco conhecidos, contém o tempo (Cronos) e o estudo da vida (Biologia). O crescimento da área está intimamente ligado à hegemonia das abordagens experimentais em Biologia, cuja perspectiva se desloca da constatação e descrição da vida (típicas da História Natural) para a investigação dos mecanismos que a sustentam. Certamente essa virada dá margem a leituras mecanicistas e reducionistas dominantes no cenário cultural contemporâneo presentes na Biologia, especialmente no que se refere a conceitos de Biologia da espécie humana. Entretanto, esse mesmo cenário cultural de meados do século XX está carregado de uma nova tensão que se expressa, por exemplo, no surgimento e afirmação da área dos Estudos Culturais (HALL, 1996).

A atualidade da discussão sobre o tempo

Cabe refletir se a inflexão crítica representada pelos Estudos Culturais a partir da segunda metade do século XX, de alguma forma afeta a especialização dominante no campo da Biologia e particularmente nessa nova área da Cronobiologia. Creio que sim, e há diversos exemplos de que essa tendência se concretize nas próximas décadas. A interface entre a Cronobiologia e a saúde do trabalhador parece ser um dos exemplos mais evidentes, dada a quantidade de pesquisadores, publicações e eventos acadêmicos de alguma forma envolvidos em questões como a do trabalho noturno ou em turnos alternantes e os prejuízos à saúde associados a organização temporal do trabalho. Existe desde 2001 uma sociedade científica internacional, a Working Time Society[2] [2] Disponível em:< http://www.workingtime.org/history>. , cujos congressos bianuais são integralmente dedicados a estudos sobre horários de trabalho. Outro exemplo de organização que ilustra a atualidade do debate sobre o tempo numa perspectiva claramente interdisciplinar é a International Society for the Study of Time[3] [3] Disponível em: < http://www.studyoftime.org>, criada originalmente em 1966 e que publica a revista Kronoscope – a journal for the study of time atualmente em seu volume 14 e que também promove encontros bianuais. Mais recentemente, contribuições de filósofos, sociólogos e psicólogos[4] [4] Duas obras de autores contemporâneos podem ser citadas como exemplos de reflexões sobre a organização temporal da sociedade, Hartmut Rosa (Social acceleration: a new theory of modernity. Columbia University Press, 2013) e Robert Levine (Geography of time: on tempo, culture and the pace of life. Basic Books, 2008) sobre a dimensão temporal da sociedade, ampliam e aprofundam o debate sobre o tema do tempo e sua fundamental importância no entendimento de nossas amarras. Dessas leituras fica a impressão de que de alguma forma somos levados a refletir sobre o tempo por nos sentirmos pressionados pela falta de tempo, tão fortemente presente na sociedade contemporânea e que no meio acadêmico pode ser sintetizada por diálogos do tipo: “Sei que você publicou um artigo interessante recentemente...” “Sim, de fato, e o que você achou?” “Não tive tempo de ler...”; e a pilha de leituras por fazer cresce cada vez mais... Talvez um pouco paradoxalmente, entendemos nossa falta de tempo e uma agenda lotada como reveladora da nossa importância. De qualquer forma, vivemos sequências mais ou menos regulares de compromissos que, por assim dizer, ordenam nosso cotidiano. Essas sequências representam no nosso pensamento, uma incorporação dos tempos aos quais nos submetemos, aos quais estamos condicionados.

Uma breve visita às origens do conceito de condicionamento reflexo e o retorno à atualidade com o conceito de plasticidade

Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936) chefiava um laboratório russo de pesquisa no qual eram estudados os mecanismos de controle da digestão, tendo sido responsável por uma série de brilhantes descobertas que lhe valeram o Premio Nobel em 1904. Sua contribuição mais conhecida é a demonstração do condicionamento reflexo, que passo a descrever.

Pavlov estudava o mecanismo de regulação da secreção salivar em cães sob o efeito de algumas drogas que a potenciavam ou a inibiam. Chamou a atenção do pesquisador o fato de um cão começar a salivar antes de receber o estímulo de comida na boca, o qual costumava provocar a salivação. Bom observador, associou o episódio ao um som de tamancos de um tratador no corredor, ruído que anunciava a chegada da ração dos animais. Pavlov substituiu o som do tamanco por uma campainha, acionada imediatamente antes da oferta de comida, de modo a criar uma sequência que foi repetida algumas vezes: campainha-comida-salivação. Após algumas repetições da associação, apenas o som da campainha foi capaz de provocar salivação no animal e isso perdurou por algum tempo, extinguindo-se depois, dada a ausência do estímulo da comida. Entretanto, bastava uma única associação campainha-comida para que o comportamento se restaurasse e perdurasse novamente por um bom tempo. As expressões “reflexo incondicionado” e “reflexo condicionado” foram então cunhadas para identificar respectivamente, a resposta simples de salivação ao estímulo da comida, e a resposta mais complexa, temporária, de salivação ao som da campainha que tinha sido associado à oferta de comida. É importante ter em mente esse caráter temporário do condicionamento reflexo no cenário da discussão proposta neste ensaio, por duas razões. Em primeiro lugar, o estímulo condicionado (ou condicionante, como alguns preferem chamá-lo) deve obrigatoriamente preceder o estímulo incondicionado, no caso a comida. Em segundo lugar, essa associação não se estabelece de forma permanente. A primeira consideração nos leva a pensar que a ordenação dos estímulos é essencial para o estabelecimento do reflexo condicionado, a campainha, no caso, funcionando com um sinal da chegada iminente da comida. O valor do sinal condicionado consiste assim no seu significado de antecipação e é justamente esse valor que confere funcionalidade ao fenômeno do condicionamento reflexo (ANOKHIN, 1974). Quando a ordem de apresentação dos estímulos é invertida, primeiro a comida e depois a campainha, o condicionamento simplesmente não ocorre, daí a inferência a respeito da natureza essencialmente temporal (sequencial) do processo de condicionamento. O caráter temporário do condicionamento reflexo é demonstrado através da repetição do estímulo condicionado (campainha) sem ser seguido da oferta de comida, tende a atenuar e depois extinguir o reflexo. A extinção de um condicionamento pode ser considerada tão importante quanto a aquisição, pois envolve a possibilidade de serem estabelecidas novas associações, como seria o caso de trocarmos a campainha por um outro sinal, um pulso de luz, por exemplo. Essa capacidade de mudança de comportamentos envolve alterações na circuitaria neural envolvida, fenômeno hoje amplamente reconhecido e estudado como plasticidade, propriedade que também valeu em 2000 o Prêmio Nobel em Medicina e Fisiologia[5] [5] Em 2000, Eric Kandel recebeu o Prêmio Nobel em Medicina e Fisiologia em reconhecimento à sua contribuição sobre os mecanismos neurais envolvidos na aprendizagem e memória. O texto de sua conferência na ocasião pode ser lido em: <http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/medicine/laureates/2000/kandel-lecture.pdf>. , décadas depois da honraria conferida a Pavlov em 1904.

A associação necessária

Creio ser adequada a leitura segundo a qual os conceitos de condicionamento reflexo e plasticidade neural, por um lado, e aqueles ligados à Cronobiologia, por outro, evoluíram por caminhos paralelos ao longo do século XX e que talvez tenha chegado o momento de propor suas convergências. Essa convergência dá sentido a uma lacuna importante no campo da Cronobiologia em torno do processo ao longo da evolução que resultou na presença e atuação de sistemas de temporização na matéria viva. Seres vivos que se diferenciaram em espécies diurnas ou noturnas, por exemplo, evidenciam que as oscilações de luminosidade/obscuridade do dia/noite, foram por assim dizer “incorporadas” na organização daqueles seres. Essa incorporação se infere hoje através de demonstrações da persistência de oscilações como o ciclo ou ritmo vigília/sono em humanos em situações nos quais a luminosidade é mantida constante. Nessas condições constantes, o ritmo tende a se expressar em humanos com uma periodicidade que é próxima ao ciclo ambiental do dia/noite, mas não igual, correspondendo nesse exemplo a um ciclo cujo período é de aproximadamente 25h (ASCHOFF; WEVER, 1976). Ritmos observados em condições de isolamento temporal, ou seja, sem sinais externos marcadores de tempo são chamados de ritmos em livre-curso. E é justamente a constatação desses ritmos o argumento principal para propor o controle endógeno da ritmicidade. Os mecanismos responsáveis por essa expressão rítmica acabaram sendo identificados como “relógios biológicos” - denominação bastante inadequada, pois relógios devem ser bastante regulares, do contrário não são relógios. Ora, esses mecanismos, mais adequadamente denominados sistemas de temporização, promovem oscilações nem sempre regulares. Um exemplo é o nosso ciclo vigília/sono, que embora se constitua claramente em um ciclo que se repete aproximadamente a cada 24h, não promove o sono nem o despertar necessariamente nos mesmos horários, como seria se fosse um “bom” relógio[6] [6] Sobre a expressão “relógio biológico”, sugiro leitura do texto na página: <http://www.temponavida.com/gmdrb/acessorios/Relogio_Biologico.html>. Ver também MENNA-BARRETO, L. Relógio biológico: prazo de validade esgotado. Neurociências, São Paulo, v.2, n.4, p. 1-4, 2005.. Ritmos em livre-curso vêm sendo demonstrados em praticamente todas as espécies, de protozoários a mamíferos incluindo humanos, sustentando a hipótese do caráter endógeno dos sistemas de temporização.

A hipótese que estamos propondo neste ensaio é justamente a da incorporação de sinais temporais do ambiente ao longo da evolução, quando sinais relevantes para a sobrevivência das espécies constituíram elementos fundamentais para a sua sobrevivência. Desse modo, encontramos hoje espécies cuja atividade se concentra no dia e outras com atividades noturnas, mas em ambos os casos a relação determinante é com o ciclo claro/escuro do dia e da noite. Outras espécies dependem de outros ciclos, como é o caso de caranguejos da orla marinha, para os quais os sinais relevantes são as oscilações da maré. Muitas espécies apresentam combinações de ritmos diários com ritmos anuais, como é o caso da sazonalidade da reprodução em mamíferos. Em todos esses casos estamos autorizados a propor que os sinais temporais do ambiente foram incorporados aos organismos ao longo de sua evolução. Darwin mostrou que o processo de especiação toma rumos distintos conforme o nicho espacial ocupado pelos ancestrais; há que se pensar agora que a ocupação de nichos temporais distintos também acaba determinando possibilidades de sobrevivência e processos de adaptação. Tanto o isolamento espacial (Cf. Galápagos aos olhos de Darwin) como o temporal (ocupação com atividades diurnas ou noturnas) atuam como agentes da evolução e é nesse contexto que a história de como os seres vivos contemporâneos chegaram ao seu estado atual deve ser compreendida.

Implicações culturais

O cotidiano humano, notadamente o urbano atual, dificilmente pode ser bem compreendido sem levarmos em consideração a diversidade temporal à qual estamos submetidos. Tanto aqueles tempos do dia e da noite e estações do ano, como tempos marcadamente sociais como a semana ou as férias, condicionam nossos comportamentos. Esse condicionamento evidentemente, não é homogêneo entre as pessoas; enquanto alguns ajustam suas rotinas de forma razoavelmente suave, outros vivem em permanentes conflitos temporais. Nossos hábitos de sono podem ser vistos com a “ponta do iceberg” das tensões entre nossos corpos (e seus sistemas de temporização) e os horários sociais como aqueles da escola ou do trabalho. Essas tensões têm reconhecidamente efeitos sobre a nossa saúde, atingindo em maior ou menor grau outros sistemas orgânicos, por exemplo, nossas defesas imunológicas.

A expressão desafios temporais sintetiza esse conjunto de tensões e hoje sabemos que esses desafios são mais danosos quando são crônicos. Um trabalhador noturno, por exemplo, que vive o que pode ser lido como desafio temporal crônico, dificilmente se adapta aos horários de trabalho e distúrbios de sono e do metabolismo (obesidade) são comuns nessas pessoas (BIRTH, 2007). Paradoxalmente, mudanças de rotina (noites sem sono de festa ou estudo) de curta duração, não acarretam as mesmas consequências, talvez pelo fato de não comprometerem de forma crônica os sistemas de temporização. Igualmente importante me parece também o grau de liberdade que temos ou que gostaríamos de ter na definição dos nossos horários de trabalho/lazer (ou atividade/repouso, num sentido mais amplo). As regras desse jogo passam necessariamente pelos interesses sociais e respectivas hierarquias, constituindo-se numa das expressões mais evidentes das desigualdades sociais contemporâneas. Cabe neste momento uma breve menção às armadilhas temporais nas quais estamos sempre caindo, seja na condição de vítimas, seja na condição de criadores. Em qualquer um dos dois casos cabe identificar tanto o que nos proporciona bem-estar, bem como os possíveis sinais de desconforto e eventual sofrimento embutidos nesses cenários temporais. Temos de aprender a ler os tempos contidos na nossa existência, tanto os que nos são impostos como aqueles que construímos.

notas de rodapé

 
[1]A Cronobiologia pode ser definida como a área de estudo da dimensão temporal da matéria viva e o marco histórico geralmente aceito para o seu surgimento foi o Cold Spring Harbor Simposium de 1960.
[3]Disponível em: < http://www.studyoftime.org>.
[4] Duas obras de autores contemporâneos podem ser citadas como exemplos de reflexões sobre a organização temporal da sociedade, Hartmut Rosa (Social acceleration: a new theory of modernity. Columbia University Press, 2013) e Robert Levine (Geography of time: on tempo, culture and the pace of life. Basic Books, 2008)
[5]Em 2000, Eric Kandel recebeu o Prêmio Nobel em Medicina e Fisiologia em reconhecimento à sua contribuição sobre os mecanismos neurais envolvidos na aprendizagem e memória. O texto de sua conferência na ocasião pode ser lido em: .
[6]Sobre a expressão “relógio biológico”, sugiro leitura do texto na página: . Ver também MENNA-BARRETO, L. Relógio biológico: prazo de validade esgotado. Neurociências, São Paulo, v.2, n.4, p. 1-4, 2005.

bibliografia

 

ANOKHIN, P. K. Biological roots of the conditioned reflex and its role in adaptive behavior. Oxford: Pergamon Press, 1974.

ASCHOFF, J.; WEVER, R. Human circadian rhyhtms: a multioscillatory system. Federation Proceedings, Betheseda, v. 35, n. 14 , p. 2326-2332, Dec. 1976.

BIRTH, K. Time and the biological consequences of globalization. Current Anthropology, Merced, v.48 , n.2, p. 215-236, April 2007.

COLD SPRING HARBOR SYMPOSIA ON QUANTITATIVE BIOLOGY, V. XXV “Biological Clocks”, The Biological Laboratory, Cold Spring Harbor, New York, 1960.

DE CANDOLLE, A. Physiologie végétale. Paris: Becket Jeune, 1832. v.2.

DE MAIRAN, J. Observation botanique. In: Histoire de l'Academie Royale des Sciences, 1729. p. 35-36.

HALL, S. Critical dialogues in cultural studies. London: Routledge, 1966.

KUHN, T.S. Estrutura das revoluções científicas. 8. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 2003. (Coleção Debates, 115).

SCHILDKNECHT, H. Tugorins, hormones of the endogenous daily rhyhtms of higher organized plants – detection, isolation structure, synthesis, and activity. Angew. Chem. Int. Ed., England, n. 22, p. 695-710, 1983.