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  • Editorial

    Editorial

    por 
    os editores
    resumo 
    A Revista Estudos Culturais chega agora ao seu número três, no mesmo momento em que o Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais da EACH-USP completa seu sexto ano de atuação. O amadurecimento de nossas empreitada é marcado pela amplitude dos temas desta edição da Revista. O campo dos estudos culturais, sempre liberto das amarras disciplinares tradicionais, aparece aqui em várias de suas múltiplas chaves.
  • Sobre os autores

    Sobre os autores

    resumo 
    Eduardo Wanderley Martins, Carlos Velázquez, Damián Cabrera, Madalena Pedroso Aulicino, Daniela Signorini Marcilio, Agnès García Ventura, André Vitor Brandão Kfuri Borba e Mariana Moreira.
  • Mídia: o Novo Totem Dessacralizado

    Mídia: o Novo Totem Dessacralizado

    por 
    Eduardo Wanderley Martins e Carlos Velázquez
    resumo 
    O presente texto tem como objetivo refletir sobre a função de mediação da Mídia para o Sagrado, partindo da concepção de Mídia como novo totem nas sociedades contemporâneas. Sob a metodologia indutivo-analítica de base bibliográfica e documental, explora-se a hipótese de que a mídia, como novo totem nas sociedades midiáticas , cumpre a função organizadora, mas não a função mediadora. A mídia não liga as aspirações e necessidades humanas ao Transcendente, encerrando em si mesma a satisfação dessas aspirações através do fornecimento de bens simbólicos, mas que não têm contato com suas fontes originárias – não há relação com o Sagrado. Dessa forma, a mídia se apresenta nas sociedades midiáticas como um totem dessacralizado - oferece bens de grandes valores universais, mas desprovidos de lastro divino.
    palavras-chave 
  • Literatura paraguay/guaraní - transversalidades

    Literatura paraguay/guaraní - transversalidades

    por 
    Damián Cabrera
    resumo 
    Passando por trabalhos compilatórios dos escritores paraguaios Augusto Roa Bastos e Rubén Bareiro Saguier, e a partir de discursos literários e não literários, analisa-se a ambiguidade fundada na palavra guarani; que designa, indistintamente, uma língua, uma cultura, uma etnia; e que, por metonímia, constitui-se em apelido-gentílico dos paraguaios. Relações entre literatura paraguaia e literatura Guarani são exploradas, desde a perspectiva dos autores citados; tanto conhecedores e divulgadores da mesma, como dois dos poucos paraguaios capazes de ultrapassar um cerco de isolamento cultural graças, em parte, ao exílio político; sob a luz de uma tradição crítica latino-americana hispanizante que, enquanto invisibiliza a literatura paraguaia, contribui com uma mistificação dela, fundada em sua peculiaridade linguística, seja ela real ou inventada.
    palavras-chave 
  • O brincar e o saber de experiência: uma forma de resistir

    O brincar e o saber de experiência: uma forma de resistir

    por 
    Madalena Pedroso Aulicino e Daniela Marcílio
    resumo 
    O brincar é uma atividade livre e séria, possui finalidade autônoma e é um intervalo da vida cotidiana (HUIZINGA, 2005; CAILLOIS, 1990). A criança se desenvolve, adquire experiência, constrói e transmite sua cultura lúdica brincando (WINNICOTT, 1979; BROUGÈRE, 2008). Mas, que brincar é esse promovido e recomendado na atualidade? O objetivo desse artigo é refletir sobre a redução do tempo da infância em prol de uma ideologia da produção e do consumo, que valoriza a informação, o conhecimento e o aprendizado técnico e científico, e reduz o “saber de experiência” (BONDÍA, 2002). Nesse contexto, a retomada do brincar como atividade livre e uma experiência de vida seria uma possibilidade de resistência aos valores vigentes. Constatou-se que os Estudos Culturais como estratégia crítica e política podem contribuir para repensar o brincar hoje.
    palavras-chave 
  • Investigación feminista, historia de las mujeres y mujeres en la historia en los estudios sobre Próximo Oriente Antiguo

    Investigación feminista, historia de las mujeres y mujeres en la historia en los estudios sobre Próximo Oriente Antiguo

    por 
    Agnès García Ventura
    resumo 
    Suele decirse que el estudio del pasado siempre tiene relación con el presente y con el futuro, bien porque presente y futuro se construyen a su imagen y semejanza, bien porque no podemos imaginar un pasado sin los referentes de nuestro presente. Por este motivo, ocuparse de la historia de las mujeres en la Antigüedad y de cómo incluir a las mujeres en la historia, nos permite reflexionar acerca de la situación de las mujeres en el mundo presente en el que vivimos y en el mundo futuro en el que querríamos vivir. En este artículo propongo aproximarnos a este tema con las herramientas críticas de la investigación feminista, ilustrando la propuesta con algunos ejemplos acerca de cómo algunos sesgos pueden afectar al modo en que se aborda el estudio de las vidas de las mujeres en el Próximo Oriente Antiguo.
  • A higienização do século XIX e o "contra corrupção" do século XXI: Similaridades no discurso das elites no Brasil

    A higienização do século XIX e o "contra corrupção" do século XXI: Similaridades no discurso das elites no Brasil

    por 
    André Vitor
    resumo 
    Cada momento histórico é único, mas carrega em si tensões permanentes, num paradoxo entre o novo e o velho, valendo-se de novas experiências sem, entretanto, negar toda a bagagem cultural adquirida. Assim, este trabalho busca relacionar dois momentos distintos da história do Brasil, mas com características em comum: a higienização do início da República e o momento recente, em que estava em jogo o mandato da presidente Dilma Rousseff. Por ser o Brasil um país com pouca mobilidade social e sem alterações substanciais no seu controle político, veremos como os interesses das camadas superiores da sociedade se reproduzem e se perpetuam, no intuito de fazer a população aderir a essa ideologia em favor de seus interesses privados.
    palavras-chave 
  • Resenha do livro Memória Coletiva e Identidade Nacional, Miryam Santos

    Resenha do livro Memória Coletiva e Identidade Nacional, Miryam Santos

    por 
    Mariana Moreira
    resumo 
    A presente resenha aborda o livro “Memória Coletiva e Identidade Nacional”, de autoria de Myrian Sepúlveda dos Santos. Importante pesquisadora de temas como memória, identidade, práticas políticas, culturais e relações raciais, obteve seu título de doutora em Sociologia pela New School for Reserch de Nova Iorque e desenvolveu pesquisas em pós-doutorado no Centro de Estudos Latino-Americanos da University of Cambridge; no Centro de Pesquisa sobre Relações Sociais da Université de Paris V e no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Atualmente é professora associada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e coordena o Grupo de Pesquisa Cultura e Poder, registrado no CNPQ Arte, e o museu Afrodigital. Suas análises abordam teorias de nomes de grande relevância para os Estudos Culturais como Karl Marx, Walter Benjamin, Michel Foucault, Maurice Halbwach, Stuart Hall entre outros.
    palavras-chave 

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  • Temporalidades

    Temporalidades

    por 
    Luiz Menna-Barreto e Mario Pedrazzoli
    resumo 
    Esta edição da Revista Estudos Culturais foi dedicada a estudos sobre o tempo, tema recorrente em diversas áreas do conhecimento e que vem adquirindo relevância crescente num mundo globalizado no qual as pessoas acabam se expondo a desafios inéditos até meados do século XX. Atravessamos fusos horários, acompanhamos bolsas de valores em Tóquio e Nova York e assistimos a jogos que ocorrem do lado oposto do planeta, numa sucessão de eventos que acontecem em tempos próprios e que nem sempre coincidem com os tempos de cada indivíduo. Surge nesse contexto certa tensão entre nossas percepções da passagem do tempo, aquela interna que dialoga com nosso sono ou fome e a outra externa, imposta pelos vários relógios aos quais tentamos obedecer. Dessa tensão emergem reflexões que trazemos aos leitores, reflexões inspiradas em diferentes olhares que vão desde aspectos filosóficos e sociológicos a aspectos biológicos.
  • Sobre os autores

    Sobre os autores

    resumo 
    Luiz Menna-Barreto, Mario Pedrazzoli, Robert Levine, Muara Kizzi Figueiredo, Rafael H. Silveira, Rafael Chequer Bauer, Alexandre Panosso Neto e Luiz Gonzaga Godoi Trigo escrevem no número dois da Revista de Estudos Culturais.
  • Ordem e progresso, aceleração e alienação

    Ordem e progresso, aceleração e alienação

    por 
    Rafael H. Silveira
    resumo 
    Como diversos exemplos dados em Aceleração e alienação [1] [1] ROSA, Hartmut. Beschleunigung und Entfremdung: Entwurf einer kritischen Theorie spätmoderner Zeitlichkeit. Traduzido do inglês para o alemão por Robin Celikates. Berlim: Suhrkamp Verlag, 2013. confirmam, a condição de especialista no campo da aceleração social muitas vezes não exime o próprio autor da ação dos fenômenos por ele analisados – sobretudo por se tratar de uma das personalidades acadêmicas mais conhecidas, citadas e requisitadas na imprensa alemã atualmente. Como minha resenha da análise de Hartmut Rosa mostra, a obra está longe de ser die Entdeckung der Langsamkeit ou um éloge de la lenteur, como interpretado por alguns. No diálogo, conduzido em 23/10/2014 na cidade de Jena, Alemanha, originalmente em alemão, transcrito, editado e traduzido para o português por Rafael H. Silveira, são abordados pontos que complementam o entendimento da Teoria da Aceleração através de uma perspectiva voltada para a realidade brasileira.
  • Tempo e bem estar

    Tempo e bem estar

    por 
    Robert Levine
    resumo 
    Neste artigo examino o impacto da experiência temporal – o emprego do tempo, concepções do tempo e normas temporais - sobre a felicidade e o bem estar; sugiro políticas públicas voltadas à ampliação dessa experiência. Inicio com uma revisão da literatura relativa às interrelações entre o tempo, dinheiro e felicidade. Em segundo lugar, reviso dados e questões em torno dos horários de trabalho e não trabalho ao redor do mundo. Em terceiro lugar, descrevo numa perspectiva mais ampla as questões temporal que deveriam ser levadas em consideração nas decisões de políticas públicas, por exemplo, medidas de relógio versus eventos, enfoques monocrônicos versus policrônicos, definições de tempo perdido, ritmo de vida e orientação temporal. Concluo com sugestões para a elaboração de políticas do emprego do tempo voltadas para aumentar a felicidade individual e coletiva. Trata-se de um truísmo virtual o modo como empregamos nosso tempo se expressa no modo como vivemos nossas vidas. Nosso tempo é o bem mais valioso do qual dispomos. Boa parte desse tempo, no entanto, é controlado por outros, desde nossos empregadores até nossos familiares mais próximos. Também está claro que existem diferenças profundas – individuais, sócio econômicas, culturais e nacionais – no grau de controle que indivíduos exercem sobre seus próprios tempos (ver p. exemplo LEVINE, 1997; LEE, et al., 2007). Pode ser argumentado que políticas públicas são necessárias para proteger os “direitos temporais” dos indivíduos, particularmente aqueles mais vulneráveis à exploração. Este artigo foi motivado por um projeto de largo espectro do qual tive a oportunidade de participar. O projeto começou na primavera de 2012 na sequência de uma resolução da ONU, aprovada por unanimidade em sua Assembleia Geral, na qual “felicidade” foi incluída na agenda global. O Butão foi convidado a receber um grupo interdisciplinar de “experts” internacionais com a tarefa de elaborar recomendações para incentivar a busca da felicidade no planeta; mais especificamente desenvolver um “novo paradigma para o desenvolvimento mundial”. O Butão é um pequeno país pobre, cercado de montanhas na região do Himalaia, foi escolhido para essa tarefa em função do pioneirismo de seu projeto de “Felicidade Nacional Bruta” - FNB (Gross National Happiness - GNH). “Progresso” na definição dos autores desse projeto, “deveria ser visto não apenas através das lentes da economia como também a partir de perspectivas espirituais, sociais, culturais e ecológicas”. Felicidade e desenvolvimento, em outras palavras, dependem em mais fatores do que o crescimento e acumulação de capital. Inglaterra, Canadá e outros países e organizações de dimensões nacionais seguiram na mesma direção do Butão, estabelecendo medidas de FNB (LEVINE, 2013). Um dos domínios centrais do índice de FNB do Butão é “emprego do tempo” que correspondeu à minha participação no relatório do grupo de estudo. Este artigo está bastante apoiado naquele relatório e nas inferências que o projeto me proporcionou. Discuto quatro conjuntos de temas: I. As interrelações entre tome, dinheiro e felicidade. Máxima importância, qual a relevância do emprego do tempo com o bem estar e a felicidade? II. Emprego do tempo: questão dos horários e políticas de organização do trabalho. III. Outors fatores tempais que devem ser considerados ao formularo políticas de promoção de felicidade.. IV. Sugestões para elaboração de políticas: a chamada para uma “Lei de Direitos Temporais”.
  • A ilusão dos relógios: uma ameaça à saúde

    A ilusão dos relógios: uma ameaça à saúde

    por 
    Mario Pedrazzoli
    resumo 
    A mecanicidade ou digitalidade dos relógios representa a imutabilidade da duração de frações de tempo. A contagem das 24h de um dia teve como referência, a princípio, as pistas ambientais associadas às condições do dia e da noite que são diferentes em diferentes locais da terra e portanto mutáveis. A emergência de uma sub-área da Biologia, a Cronobiologia, em meados do século XX permitiu a interpretação de que a apreensão do tempo de um dia como regularidade mecânica aliena os seres humanos da percepção da temporalidade diária como integração entre temporalidade ambiental e temporalidade biológica. Pretendo demonstrar que esse equívoco perceptual da duração do tempo de um dia pode ter como consequência uma desorganização temporal fisiológica que é a origem ou está associada a origem de muitas doenças modernas.
  • Os horários fora de lugar – ritmos biológicos e literatura

    Os horários fora de lugar – ritmos biológicos e literatura

    por 
    Muara Kizzy Figueiredo
    resumo 
    Este trabalho analisa a relação existente entre personagens e ambiente e objetiva investigar como, supostamente, se deu a implantação no Brasil do século XIX dos ritmos sociais europeus, tendo em vista os ritmos biológicos da população brasileira (em termos coletivos) – adaptada ao ambiente tropical. Para tal estudo, foram analisados alguns textos literários do período (em especial a obra de Machado de Assis e Eça de Queirós) - visando identificar menções aos horários de sono, refeições, atividades sociais e aspectos do sono; bem como a leitura de autores contemporâneos que discutem a construção de identidades nacionais – em especial no Brasil – e ainda; autores que investigam a temática do tempo – seja em termos cronológicos, psicológicos e biológicos.
    palavras-chave 
  • Slow movement: reação ao descompasso entre ritmos sociais e biológicos

    Slow movement: reação ao descompasso entre ritmos sociais e biológicos

    por 
    Rafael Chequer Bauer, Alexandre Panosso Netto e Luiz Gonzaga Godoi Trigo
    resumo 
    Este artigo discute o descompasso entre os ritmos biológicos e os ritmos sociais emergentes a partir da Revolução Industrial. Para tal, são apresentados indícios de mudanças rítmicas nas últimas décadas, acarretando um processo contínuo e profundo de aceleração e mecanização sociocultural, predominante nas estruturas societárias capitalistas. Em seguida, discute-se a relação entre ritmos sociais e ritmos biológicos, com a contribuição conceitual advinda da Cronobiologia. Por fim, destaca-se o processo de surgimento e consolidação do Slow Movement nas últimas décadas, tornando-se mais um indício da desarticulação temporal vivenciada nos dias atuais.
  • Os tempos da vida

    Os tempos da vida

    por 
    Luiz Menna-Barreto
    resumo 
    O tema do tempo tem atraído bastante atenção no ambiente acadêmico contemporâneo. Apresentarei uma abordagem na qual são associados os conceitos de condicionamento reflexo clássico com a cronobiologia, área na qual a dimensão temporal da matéria viva é explorada. O conceito de antecipação é proposto como elo central dessa associação. Discuto a seguir os níveis de determinação que podem ser propostos a partir da observação de fenômenos temporais nos organismos. Concluo com as noções de desafios e armadilhas temporais que parecem caracterizar fortemente os dilemas humanos num mundo globalizado, conduzindo a diferentes processos de adaptação resultantes desses desafios e armadilhas.
  • Resenha do livro Aceleração e alienação: Esboço de uma teoria crítica da temporalidade na Modernidade tardia, Harmut Rosa

    Resenha do livro Aceleração e alienação: Esboço de uma teoria crítica da temporalidade na Modernidade tardia, Harmut Rosa

    por 
    Rafael H. Silveira
    resumo 
    Em Aceleração e alienação: Esboço de uma teoria crítica da temporalidade na Modernidade tardia, Hartmut Rosa recapitula resumidamente e amplia sua Teoria da Aceleração Social. A ampliação da teoria se dá em primeiro lugar através da análise de elementos desaceleradores da tendência aceleratória e, em seguida, da análise das consequências da aceleração para a Teoria Crítica social atual, cujos questionamentos levantados e respostas dadas até o presente momento não apresentariam uma solução para a perda da credibilidade do projeto da Modernidade, uma vez que a aceleração social teria sucumbido e instrumentalizado a possibilidade de autonomia prometida. Partindo da busca de uma resposta à questão de o que seria uma vida plena, Rosa retraça, assim, o contexto do surgimento de diferentes categorias de alienação, retratando em sua teoria uma tendência social crescente extremamente relevante e em crescimento na era moderna.
artigo anterior 

Ethnical Afro Tourism in Brazil

por 
Luiz Gonzaga Godoi Trigo e Alexandre Panosso Netto
resumo 
O artigo desenvolve uma discussão teórica sobre o turismo étnico afro no Brasil. A temática somente recentemente tem merecido a devida atenção dos estudiosos, motivo pelo qual se justifica a abordagem. Os objetivos são três: 1) revisar a história das culturas afros no Brasil; 2) identificar as forças que garantem o respeito a essas identidades e; 3) analisar como os destinos afro devem ser trabalhados neste contexto. A metodologia empregada é a revisão teórica dos textos que abordam a cultura afro brasileira, tendo como pano de fundo da discussão os delineamentos dos estudos culturais. Conclui-se que o produto turístico com base na cultura afro é um produto viável no Brasil, porém deve primar pelos quesitos de respeito, alteridade, ética e valorização de todas as culturas envolvidas no processo.
próximo artigo 

A fome antropofágica - utopias e contradições

por 
Fernanda Oliveira Filgueiras Santos e Mauro de Mello Leonel
resumo 
O Modernismo no Brasil significou um marco, que anunciou o fim de um período cultural caracterizado pelo legado e pelo conservadorismo. O Movimento Antropofágico foi a síntese artística e intelectual dessas reflexões. Este trabalho se propõe a discutir as contribuições e controvérsias deixadas pelo movimento no contexto de urbanização e cosmopolitismo em que ele emergiu na cidade de São Paulo.
palavras-chave 
 
varia

Alfabetização científica e cartográfica no ensino de ciências e geografia: polissemia do termo, processos de enculturação e suas implicações para o ensino

por 
Veronica Guridi e Valeria Cazetta
resumo 

Neste trabalho realizamos uma análise crítica com relação ao significado do conceito “alfabetização científica” dentro do campo da Educação em Ciências e em Geografia. Constatamos que o termo é ainda bastante polissêmico e que dependendo do enfoque adotado, se seguem diferentes implicações para o ensino de Ciências. Concluímos mostrando uma definição do termo que incorpora elementos dos recentes estudos na área bem como da vertente dos Estudos Culturais em Educação.

 
Scientific literacy and cartographic of education in science and geography: polysemy of the word, enculturation processes and their implications for teaching
abstract 

In this work, we performed a critical analysis about the meaning of the term "scientific literacy" within the field of Education in Science and Geography. We noticed that the term is still quite polysemous and that depending on the approach adopted, different implications for science teaching are followed. We conclude by showing a definition of the term, incorporating elements of recent studies in the area and the slope of Cultural Studies in Education.

 

Introdução

Nos últimos anos, temos assistido a uma verdadeira tempestade de trabalhos de pesquisa e de documentos curriculares que fazem uso do termo “alfabetização científica” e/ou de outros correlatos. Mas, o que se observa em meio dessa tempestade, é uma enorme variedade de significados associados a esse termo, nem sempre devidamente esclarecido.

Muitas vezes, o termo aparece associado a um slogan presente tanto na literatura educacional quanto nos documentos oficiais, em que se propugna uma educação científica para todos, uma educação para a cidadania, uma inclusão no mundo da Ciência e, não menos importante, a formação de sujeitos autônomos e críticos, capazes de agir socialmente no que diz respeito a problemáticas que envolvem a Ciência e a Tecnologia. Em outros casos, se define a alfabetização científica como o processo que possibilita ao cidadão mergulhar na cultura científica.

Remitamo-nos às origens do conceito. Esse apelo ao termo “alfabetização científica” está fortemente vinculado à ideia de popularizar o acesso à Ciência, ou seja, de tornar a Ciência acessível para todos os cidadãos. Enquanto houve um notável desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia, principalmente no final do século XX e no início do século XXI, os cidadãos estão cada vez mais distantes dos conhecimentos científicos e tecnológicos. Nesse contexto, traçaram-se analogias com a Linguística e surgiram conceitos como os de “analfabetismo científico” para indicar situações em que o cidadão não é capaz de decodificar o conhecimento da Ciência e da Tecnologia e aplicá-lo em situações do seu dia-a-dia. Dito de outra maneira, o sujeito não é capaz de realizar uma leitura do mundo com as lentes da Ciência.

Nesse sentido, Chassot (2003) enfatiza que a alfabetização científica é uma das dimensões que devem ser consideradas para potencializar alternativas que privilegiem uma educação mais comprometida com a inclusão de todos os cidadãos.

Essa ênfase na popularização do acesso à Ciência e no apelo a termos como o de alfabetização científica só foi possível devido às mudanças experimentadas pelo ensino de Ciências nas últimas décadas. A finalidade do ensino de Ciências foi variando ao longo dos tempos. Se no começo essa finalidade era formar futuros cientistas, hoje essa finalidade em nível de ensino fundamental é o de educar cientificamente a  população para que esta seja consciente dos problemas do mundo e atue para trransformá-lo.

Mas, o que é educar cientificamente a população? No contexto atual, significa lhe fornecer elementos para que realize uma leitura de mundo do ponto de vista da Ciência e que possa agir sobre esse mundo. Isso significa popularizar o acesso à Ciência e implica que a educação científica escolar deva  enfatizar a função social da Ciência.

Na Conferência Mundial sobre a Ciência para o século XXI, auspiciada pela   Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura ( UNESCO) e pelo Conselho Internacional para a Ciência, declarava-se:

Para que um país esteja em condições de atender às necessidades fundamentais de sua população,o ensino das ciências e da tecnologia é um imperativo estratégico. Como parte dessa educação científica e tecnológica, os estudantes deveriam aprender a resolver problemas concretos e a atender às necessidades da sociedade, utilizando suas competências e conhecimentos científicos e tecnológicos(UNESCO, 2003, p. 47)

Essa declaração nos remete à urgência de popularizar o acesso à Ciência. Todos necessitam utilizar a informação científica para realizar opções que se colocam no dia-a-dia; todos necessitam serem capazes de participar  de discussões públicas acerca de assuntos importantes que se relacionam com a ciência e a tecnologia. Enfim todos merecem  compartir a emoção e a realização pessoal que pode produzir a compreensão do mundo natural. Não é estranho, então, que se tenha chegado a estabelecer uma analogia entre a alfabetização básica iniciada no século passado e o atual movimento de alfabetização científica e tecnológica (FOUREZ, 1994)‏.

No entanto, o termo “alfabetização científica” tem sido utilizado com vários significados e em diversos contextos, não sempre de maneira adequada, limitando às vezes seu significado a um mero domínio de conceitos e teorias da Ciência, sem enfatizar a função social da Ciência nem o processo de enculturação que ela pressupõe.

Assim, neste trabalho nos propomos a realizar uma revisão sobre os diversos significados atribuídos ao termo “alfabetização científica” no campo da Educação em Ciências (incluindo também a Geografia), resgatando as origens do termo no campo da Linguística e mostrar que o termo pressupõe outros aspectos, para além dos tradicionalmente associados a ele. Realizamos também uma análise crítica sobre alguns significados e argumentamos em favor de uma alfabetização científica como processo;de enculturação, ressignificando-a neste trabalho a partir de alguns elementos do campo dos Estudos Culturais.

A analogia entre a alfabetização na Linguística e a alfabetização do ponto de vista das Ciências e da Geografia

O termo “alfabetização científica” foi produto de uma analogia traçada entre os campos da Linguística e da Ciência, ou melhor, o termo foi “importado” do campo da Linguística e adaptado para o da Educação em Ciências.

As origens do termo alfabetização no Brasil remontam-se ao início do sistema educacional  no país. Mas foi com alguns autores da área da Linguística que ele ganhou especificidade e diferenciação de outros conceitos semelhantes, mas não exatamente iguais do ponto de vista da semântica. Trazemos aqui as contribuições de uma das autoras que tem tido uma influencia maior no campo do ensino da língua, que é Magda Soares.

Para Soares (1998), a alfabetização é o processo pelo qual os sujeitos se apropriam do sistema alfabético da escrita, tendo capacidade de produzir textos escritos. Ou seja, uma pessoa é considerada alfabetizada, por exemplo, quando sabe escrever um bilhete simples. Já o letramento é o processo pelo qual os sujeitos fazem uso da Língua em situações sociais de produção (por exemplo, ler ou escrever uma carta, ler e interpretar um artigo jornalístico, entre outras). O letramento supõe a interpretação de textos e o seu uso adequado em situações sociais. Assim, por exemplo, saber que tipo de gênero textual utilizar quando se precisa comunicar algo a outra pessoa, é uma competência própria de um indivíduo letrado, não simplesmente alfabetizado.

Nesse sentido, o letramento é um processo que precede e ultrapassa o processo de alfabetização. A criança, mesmo não alfabetizada, já pode ser inserida em um processo de letramento. Pois, ela faz a leitura incidental de rótulos, imagens, gestos, emoções. O contato com o mundo letrado acontece muito antes do conhecimento das letras e vai além delas.

Qual foi a analogia traçada entre esses conceitos nos seus correlatos na Educação em Ciências e em Geografia?

No âmbito da educação em ciências, os termos “alfabetização científica” e “letramento científico” têm sido utilizados muitas vezes como sinônimos. Mas a pergunta que cabe aqui seria: O que diferencia a alfabetização científica do letramento científico?

Embora a resposta não seja simples, uma possível resposta seria que a alfabetização científica se restringiria ao domínio dos conteúdos científicos enquanto o letramento suporia compreender a função social da Ciência.

Mesmo existindo diferentes matizes e diversas acepções desses termos, eles parecem estar relacionados. No caso das Ciências não seria tão fácil dissociar – ainda que seja apenas para identificar e nomear – dois processos relativamente paralelos no tempo e não desvinculados. As razões que justificariam essa indissociabilidade dos aspectos conceituais e da função social da Ciência estão fortemente vinculadas, segundo Santos (2007, p.478) à natureza do conhecimento científico:

Pela natureza do conhecimento científico, não se pode pensar no ensino de seus conteúdos de forma neutra, sem que se contextualize o seu caráter social, nem há como discutir a função social do conhecimento científico sem uma compreensão do seu conteúdo. Afinal, como afirma Morin (2000), há um tecido interdependente e inter-retroativo entre o objeto do conhecimento e o seu contexto.

Por outro lado, não seria correto dissociar alfabetização de letramento científico, pois a Ciência é uma produção cultural situada. Para Chassot (2000) falar de Ciência é também falar de história e de cultura de uma forma mais ampla. É discutir questões como cidadania, tecnologias, formação de professores, linguagem, história, política, saberes populares e escolares, religião, dentre outras. Também implica saber questionar os preconceitos contra as mulheres, etnias diferentes dos padrões estabelecidos e as hierarquias de pessoas e de saberes que resultam em mecanismos de exclusão. Enfatizar a função social da Ciência é também mostrar essa Ciência como produção cultural situada em um tempo e espaço determinados, marcados por tensões entre diferentes grupos.

Krasilchik e Marandino (2004) não realizam distinção entre alfabetização e letramento científicos, e utilizam o primeiro termo para designar o processo de enculturação científica ligado aos usos sociais da Ciência.

Chassot (2000) considera inadequado o termo alfabetização, pois carrega a primazia da óptica ocidental da escrita alfabética, desconsiderando a linguagem de outras civilizações que adotaram escritas cuneifórmica, hieroglífica e ideogrâmica. Todavia, Chassot (2000), em sua obra, acaba adotando o termo alfabetização, mencionando que letramento não está dicionarizado e que letrado apresenta conotações pernósticas.

Neste artigo, adota-se a diferenciação entre alfabetização e letramento, pois na tradição escolar a alfabetização científica tem sido considerada na acepção do domínio da linguagem científica, enquanto o letramento científico, no sentido do uso da prática social, parece ser um mito distante da prática de sala de aula.

Note-se que essa caracterização é também muito próxima do que Chassot (2000, p.34) considerou alfabetização: “conjunto de conhecimentos que facilitariam aos homens e mulheres fazer uma leitura do mundo onde vivem”.

Por essas razões, vários têm sido os autores que trabalham a alfabetização científica na perspectiva do letramento científico, ou seja, compreendendo que não é possível separar o domínio dos conteúdos científicos da função social da Ciência.

O que difere em cada autor é a dimensão contemplada nessa função social da Ciência, o que tem revertido em diferentes visões sobre a alfabetização científica (denotada como AC, em várias partes deste texto), que detalhamos na seguinte seção.

Alfabetização científica: um termo com múltiplos significados

Na literatura apareceram vários significados associados ao termo “alfabetização científica” (entendida como letramento, no sentido de incorporar a função social da Ciência).  Esses diferentes significados focalizam em uma ou mais de algumas dimensões relacionadas com vários enfoques identificados por Millar (1996):

Enfoque econômico: relaciona a AC com o desenvolvimento econômico do país, ou seja, quanto mais as pessoas sejam alfabetizadas cientificamente, maior será a chance de o país se desenvolver economicamente;

Enfoque utilitário: a AC é necessária para que os sujeitos apliquem os conhecimentos científicos em situações práticas (aplicação da Ciência);

Enfoque democrático: vincula a AC com a participação dos cidadãos nas discussões, no debate e na tomada de decisões sobre questões científicas;

Enfoque social: vincula a AC à cultura (divulgação da Ciência em livros paradidáticos, jornais, museus etc.) favorecendo atitudes positivas em relação à Ciência;

Enfoque cultural: a AC implica que os alunos compreendam o conhecimento científico como produto cultural (processo de enculturação na linguagem, nos processos e produtos da Ciência e na sua forma de produção e validação).

Por exemplo, para Shamos (1995), AC é definida como o processo que envolve um conhecimento mais aprofundado dos produtos da Ciência (leis e teorias), de sua epistemologia, com compreensão dos elementos da investigação científica. Nesse sentido, o autor se situa dentro de um enfoque cultural.

Laugksh (2000) define AC com função social como aquela que desenvolve a capacidade mínima funcional para que o sujeito possa  agir como consumidor e cidadão. Para o autor, a AC ajuda o sujeito na tomada de decisões em situações práticas que envolvem consumo e cidadania. Nesse sentido, o autor se coloca numa perspectiva situada entre os enfoques utilitário e democrático.

Miller (1983, p. 29) distingue dois significados diferentes para o termo AC:

quando se fala em alfabetização, normalmente não se percebe que a expressão ser alfabetizado apresenta dois significados diferentes: um, mais denso, estabelece uma relação com a cultura, a erudição. Por conseguinte, o indivíduo alfabetizado é aquele que é culto, erudito, ilustrado. O outro fica reduzido à capacidade de ler e escrever.

Ou seja, a AC teria duas componentes: uma linguística propriamente dita e a outra cultural.

Bybee (1995) apresenta três dimensões da alfabetização científica, que ocorreriam de acordo com uma evolução gradativa. A “alfabetização científica funcional” objetiva o desenvolvimento de conceitos, centrando-se na aquisição de um vocabulário, palavras técnicas, envolvendo a Ciência e a Tecnologia. Na “alfabetização científica conceitual e processual”, os alunos já atribuem significados próprios aos conceitos científicos, relacionando informações e fatos sobre Ciência e Tecnologia. O ensino inclui vocabulário, informações e fatos sobre Ciência e Tecnologia, mas também habilidades e compreensões relativas aos procedimentos e processos da Ciência. O nível de “alfabetização científica multidimensional” acontece quando os indivíduos são capazes de adquirir e explicar conhecimentos, além de aplicá-los na solução de problemas do dia-a-dia.

Bybee é um dos autores que aceita que o processo de alfabetização científica é gradativo e que a escola desempenha um papel fundamental nessa progressão. Vemos que ele se situa dentro dos enfoques democrático e cultural.

A geógrafa Rosângela Doin de Almeida (1999, p.132) ao fazer um paralelo entre o ensino do código alfabético (alfabetização) e o ensino de mapas, critica a transposição deste termo para o ensino da cartografia, isto é, “se a alfabetização é um termo limitador para designar a aquisição da leitura e escrita, tanto mais com relação à aquisição da linguagem cartográfica”. A autora afirma que assim como o ensino da leitura e escrita não se reduz à habilidade mecânica de codificar-decodificar palavras, o ensino de mapas também não consiste somente em codificar-decodificar os símbolos nos mapas, ou seja, nesse processo interagem fatores pedagógicos, psicomotores, linguísticos e sociais cuja abrangência reveste o domínio da língua escrita de maior complexidade. Essa é uma das razões de encontrarmos na literatura estrangeira específica da área a expressão leitura e escrita com maior frequência do que ‘alfabetização’, que predomina em português [...] A leitura e a escrita, como linguagem, partem de um significado, cuja compreensão é essencial para que haja comunicação através do código escrito, a compreensão, por sua vez, envolve toda uma bagagem sócio-cultural que o leitor deve possuir (ALMEIDA,1999, p.31). Nesse sentido, a autora se coloca na perspectiva da AC dentro de um enfoque cultural.

No âmbito da educação geográfica há um equívoco epistemológico no que se refere à utilização deste termo. Partimos do pressuposto de que alfabetizar envolve processos que vão além da decodificação e leitura, ou seja, a produção do conhecimento está inserida em universos culturais mais amplos, mediada por uma educação visual eivada de imagens provenientes da cultura visual contemporânea. Nesse sentido, pensamos que estes termos têm origem em um contexto acadêmico que muitas vezes desconsidera aquela educação realizada fora do âmbito escolar, mas que educa tanto quanto ou até mais que instituições formais de ensino, como, por exemplo, a escola.

Na esteira de Alfredo José da Veiga-Neto (2007), pensamos que o que importa são as práticas linguísticas dos campos disciplinares que atuam através da produção de signos e de sistemas de significação. O que dizemos das coisas não são as próprias coisas (pensamento mágico), não é uma representação das coisas. Ao falar sobre as coisas, nós as constituímos. Assim os enunciados fazem mais do que uma  representação do mundo; eles produzem o mundo. O que importa não é saber se existe ou não uma realidade real, mas, sim, saber como se pensa essa realidade. O que interessa é o sentido que damos ao mundo e esse sentido só pode ser dado por meio de enunciados.

O processo de enculturação presente na alfabetização cartográfica

Quando olhamos para um mapa, viajamos junto dele e, assim, ativamos nossas memórias acerca de lugares pisados ou não por nossos próprios pés. Lembranças, espasmos, alegrias, angústias, tensões.  Sensações que misturam em nós lembranças oriundas de experiências outras e por meio das quais tecemos sentido(s) para nossa(s)

trajetória(s). Olhar mapas envolve a decodificação de símbolos, ao mesmo tempo, que a transcende ao nos remeter para uma educação visual mais ampla – contaminada por uma profusão de imagens e por experiências visuais e espaciais acerca dos lugares. Se os significados dados aos mapas devem ser regidos pela semiologia gráfica por meio da   sua  monossemia , os sentidos são polissêmicos, porque embora a linguagem cartográfica possua regras e convenções estabelecidas pelos cartógrafos, suas simbologias são animadas pelo pulsar da vida.

A cartografia como linguagem, apresenta informações espaciais, que juntamente com outras linguagens ampliaram as possibilidades de informações em imagens de qualquer lugar do planeta Terra, permitindo-nos afirmar que os mapas deixaram de ser a principal linguagem geográfica. Assim, o ensino da cartografia na escola poderia partir de uma Iniciação Cartográfica a ser desenvolvida ao longo da educação básica como parte da Educação Geográfica (ALMEIDA, 1999), misturada ao emprego de outras linguagens, como: imagens de satélite e mapas oriundos de plataformas como Google Earth e Google Maps, respectivamente, fotografias aéreas verticais e oblíquas, fotografias comuns, desenhos, filmes entre outras, pois não podemos desconsiderar a influência destas linguagens na educação visual das pessoas no contexto contemporâneo (CAZETTA, 2009).

A apropriação destas linguagens, incluindo a cartografia, enquanto processo de aquisição de conhecimento poderia assemelhar-se à aquisição da leitura e escrita (ALMEIDA, 1999, p.132) no sentido de que “quando uma criança assimila uma palavra em um texto, está aprendendo não só seu aspecto verbal, como também o sentido que sugere no contexto que a envolve. Sua aprendizagem ocorre de forma total, pois está vinculada ao sentido e não ao código”. Ou seja, quando se olha um mapa, sua apropriação se dá num contexto cultural atravessado por uma educação visual híbrida de imagens. Faz todo sentido pensarmos numa educação geográfica, misturando a linguagem mais codificada dos mapas com linguagens menos codificadas.

O processo de enculturação presente na alfabetização científica

Diversos autores têm apontado que a educação científica, entendida como componente da formação integral de um indivíduo, pressupõe um processo de enculturação (CARVALHO, 2008; DRIVER et. al., 1994; LEMKE, 1997, 1998; SHEN, 1975, entre outros).

Esses autores, ao falarem da enculturação presente na educação científica, aludem a diferentes aspectos da educação em Ciências, tais como o uso da linguagem científica em  contextos  apropriados,  o  desenvolvimento  da  argumentação  científica,  com utilização de conceitos e leis científicas, a identificação de padrões e normas que caracterizam a comunidade científica, a compreensão da natureza da ciência e do conhecimento científico, para citar alguns.

Sasseron e Carvalho (apud CARVALHO, 2008) definem a enculturação científica abrangendo várias dimensões: a dimensão das relações existentes entre ciência e sociedade, a compreensão da natureza da ciência e dos fatores éticos e políticos que circundam sua prática e a compreensão de termos e conceitos científicos fundamentais.

Para Lemke (1997), aprender ciência é aprender a falar ciência, é fazer ciência através de suas linguagens. A linguagem científica abraça não apenas o aspecto verbal, mas as práticas e processos científicos, como argumentar, planejar, levantar hipóteses, investigar, etc. e, além dessas, conta ainda com a linguagem matemática e pictórica.

De um modo mais geral, entende-se por enculturação um processo de natureza antropológica de aquisição da cultura científica. Por meio desse processo, os sujeitos – enquanto membros de uma sociedade – aprendem sobre formas e comportamentos em um determinado domínio, neste caso, o científico.

Este processo é fundamental para a estabilidade cultural, e desempenha um papel muito importante na formação da personalidade do sujeito, que deve compreender a ciência enquanto construção cultural com normas, valores e linguagem próprias e não como um mero conjunto de teorias e métodos a serem aplicados acriticamente. Isso significa que o sujeito, enquanto membro de uma sociedade possa atuar como cidadão, se envolvendo em discussões sobre os fenômenos científicos e tecnológicos, de forma crítica e consistente.

Para além das contribuições da alfabetização científica enquanto processo de enculturação, compreendido da maneira em que foi exposto aqui, entendemos que existe outra componente desse processo, que pressupõe um processo dialético de construção da própria identidade do sujeito e que irá influenciar nas práticas sociais que esse sujeito desenvolve enquanto sujeito identitário.  E, nesse sentido, o campo dos Estudos Culturais oferece aportes teóricos interessantes para poder compreender a maneira em que a identidade do sujeito se conforma e se transforma mediante esses processos de enculturação, tomando a cultura como encontro entre práticas e discursos em contextos específicos.

É essa a ideia que desenvolveremos na próxima seção.

A alfabetização científica como enculturação. As contribuições dos Estudos Culturais

Stuart Hall (1997), um dos precursores dos Estudos Culturais nos Estados Unidos, destaca que a cultura sempre foi importante e que, nas ciências humanas, o estudo das linguagens (a literatura, as artes, as ideias filosóficas, os sistemas de crença morais e religiosos) constituiu o conteúdo fundamental. De acordo com este mesmo autor a importância da cultura não foi considerada tanto em seus aspectos substantivos quanto epistemológicos. Os primeiros constituem-se no lugar ocupado pela cultura “na estrutura empírica real e na organização das atividades, instituições, e relações culturais na sociedade, em qualquer momento histórico particular”, os aspectos epistemológicos referem-se “à posição da cultura em relação às questões de conhecimento e conceitualização, em como a ‘cultura’ é usada para transformar nossa compreensão, explicação e modelos teóricos do mundo” (HALL, 1997, p.16). Não discorremos sobre estes aspectos neste texto, no entanto, eles são importantes para situar quando que a cultura ganhou legitimidade no campo investigativo das humanidades.

Neste texto, abordamos a alfabetização científica e cartográfica como sendo linguagens próprias e inseridas em processos de enculturação. Nesse sentido é que advogamos em prol da ideia de que não exista um “alfabeto” específico para ensinar e aprender a ler mapas, bem como o contexto científico.

O processo de decodificação das linguagens é altamente idiossincrático. De acordo com Hall (1997, 1997 p. 16):

Os seres humanos são seres interpretativos, instituidores de sentido. A  ação social é significativa tanto para aqueles que a praticam quanto para os que a observam: não em si mesma, mas em razão dos muitos e variados sistemas de significado que os seres humanos utilizam para definir o que significam as coisas e para codificar, organizar e regular sua conduta uns relação aos outros. Estes sistemas ou códigos de significado dão sentido às nossas ações. Eles nos permitem interpretar significativamente as ações alheias. Tomados em seu conjunto, eles constituem nossas ‘culturas’. Contribuem para assegurar que toda ação social é ‘cultural’ que todas as práticas sociais expressam ou comunicam um significado e, neste sentido, são práticas de significação.

Os seres humanos, enquanto sujeitos identitários, participam das práticas sociais (os processos de enculturação científica e geográfica são algumas delas), e por meio delas, constroem e reconstroem os saberes de acordo com as significações próprias que eles dão para esses processos.

É claro que o contexto acadêmico científico possui suas especificidades no que se refere à produção do conhecimento e às práticas sociais e linguagens pertinentes nesse contexto, que não está descolado do tempo e do espaço dos homens e mulheres que o realizam.

No entanto, os sujeitos, ao participarem de processos de alfabetização científica e cartográfica fora dos espaços de educação formal, também são educados tanto quanto nos contextos mais institucionalizados de educação. Trata-se de uma educação diferente, como aquela que se espraia pelas geografias de um dado lugar. Mas isto é paradoxal, pois ao mesmo tempo em que temos uma educação institucionalizada nos educando, há também uma educação que é do mundo (mundana) sendo atravessada por aquela e vice-versa.

No caso dos mapas, estes se tornaram mais comuns no contexto doméstico e, no entanto, não nos foi necessário aprender sobre a existência de um suposto “alfabeto” cartográfico ou científico. E nem por isso, deixamos de usar mapas e conceitos científicos em nosso dia-a-dia. Na verdade, as plataformas virtuais facilitaram o acesso aos mapas e outras linguagens, mesmo que isso seja discutível. Deste modo, hoje somos mais leitores de mapa do que outrora, não porque a cartografia escolar tenha sido incorporada pelos professores de Geografia da educação básica, mas porque a circulação dos mapas está sendo mais efetiva via mass media1  do que por meio da educação formal.

Cabe lembrar que não estamos desprezando a educação realizada em contexto escolar, mas relativizando-a. Ou seja, ela acontece, simultaneamente, com e não contra a educação não formal. Na educação não formal, processos de enculturação acontecem de maneira espontânea e eles deveriam ser aproveitados pela escola, potencializando as ações educativas dentro dela. Se hoje aproveitamos pouco a potência educativa de linguagens criadas em contextos culturais diferentes daquele no qual o conhecimento científico e o conhecimento escolar se realizam é porque ainda não estamos conseguindo lançar mão de modo efetivo da potência imaginativa e da fabulação em nossas narrativas escolares ou acadêmicas.

Considerações finais

Problematizamos neste texto o conceito polêmico de “alfabetização” (científica e cartográfica) por meio dos processos de enculturação. O uso do termo alfabetização científica no ensino de ciências foi circunscrito para além da existência de “alfabeto” científico. No caso da educação geográfica, temos a profícua contribuição de Almeida (1999), ao defender a ideia de que não é possível estabelecer paralelos entre o ensino da leitura e escrita e o ensino de mapas e, nesse sentido, discorda do emprego do termo “alfabetização cartográfica” ainda muito em voga na produção intelectual referente ao ensino de Geografia no Brasil. A autora sugere que realizemos um trabalho de “iniciação cartográfica” nas séries iniciais da educação básica, que poderia ser estendido para as séries finais do ensino fundamental, bem como para o ensino médio. Assim, a abordagem cartográfica não ficaria restrita somente a um ou outro momento da educação básica, mas atravessaria e seria amalgamada junto com outras linguagens menos codificadas - dispersas nos mais diferentes e amplos contextos educacionais e também em obras com ou sem fins pedagógicos.

Por isso, é importante pensar o processo de alfabetização científica como um processo altamente idiossincrásico e permanente, onde produtos culturais diversos são internalizados com significações mutantes. Nesse processo, múltiplas linguagens contribuem para dar significado e realizar uma leitura de mundo com olhos científicos, mas essa leitura está sempre atravessada pela subjetividade dos sujeitos. A forma “científica” de ver o mundo não é única nem provém de um espaço único, mas se configura em múltiplos processos de enculturação, em diferentes espaços e não unicamente na escola.

Somos seres criadores de linguagens, cuja motivação primeira talvez  seja o desejo de melhor compreender o mundo no qual vivemos. Nesse sentido, a educação contemporânea está sofrendo um atravessamento de inúmeras possibilidades no que diz respeito ao papel educativo das linguagens.  Estas, sem nos darmos conta e num processo diário, vem esculpindo nossas práticas e discursos no acontecer da vida. As práticas científicas e as práticas escolares têm sofrido atravessamentos educacionais não vinculados aos contextos de educação formal, potencializando as miradas para aquilo

que é da ordem do humano, por excelência, a imaginação e a cultura. Daí deriva a grande contribuição dos estudos culturais para as investigações que se engajam de alguma maneira neste conjunto de pesquisas, tendo como centralidade a cultura.

notas de rodapé

 

1 Incluímos, aqui, a internet, embora reconhecendo que esta seja diferente dos outros meios de comunicação de massa tanto no que se refere a sua sincronicidade, quanto sua interatividade.

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