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  • Temporalidades

    por 
    Luiz Menna-Barreto e Mario Pedrazzoli
    resumo 
    Esta edição da Revista Estudos Culturais foi dedicada a estudos sobre o tempo, tema recorrente em diversas áreas do conhecimento e que vem adquirindo relevância crescente num mundo globalizado no qual as pessoas acabam se expondo a desafios inéditos até meados do século XX. Atravessamos fusos horários, acompanhamos bolsas de valores em Tóquio e Nova York e assistimos a jogos que ocorrem do lado oposto do planeta, numa sucessão de eventos que acontecem em tempos próprios e que nem sempre coincidem com os tempos de cada indivíduo. Surge nesse contexto certa tensão entre nossas percepções da passagem do tempo, aquela interna que dialoga com nosso sono ou fome e a outra externa, imposta pelos vários relógios aos quais tentamos obedecer. Dessa tensão emergem reflexões que trazemos aos leitores, reflexões inspiradas em diferentes olhares que vão desde aspectos filosóficos e sociológicos a aspectos biológicos.
  • Sobre os autores

    resumo 
    Luiz Menna-Barreto, Mario Pedrazzoli, Robert Levine, Muara Kizzi Figueiredo, Rafael H. Silveira, Rafael Chequer Bauer, Alexandre Panosso Neto e Luiz Gonzaga Godoi Trigo escrevem no número dois da Revista de Estudos Culturais.
  • Ordem e progresso, aceleração e alienação

    por 
    Rafael H. Silveira
    resumo 
    Como diversos exemplos dados em Aceleração e alienação [1] [1] ROSA, Hartmut. Beschleunigung und Entfremdung: Entwurf einer kritischen Theorie spätmoderner Zeitlichkeit. Traduzido do inglês para o alemão por Robin Celikates. Berlim: Suhrkamp Verlag, 2013. confirmam, a condição de especialista no campo da aceleração social muitas vezes não exime o próprio autor da ação dos fenômenos por ele analisados – sobretudo por se tratar de uma das personalidades acadêmicas mais conhecidas, citadas e requisitadas na imprensa alemã atualmente. Como minha resenha da análise de Hartmut Rosa mostra, a obra está longe de ser die Entdeckung der Langsamkeit ou um éloge de la lenteur, como interpretado por alguns. No diálogo, conduzido em 23/10/2014 na cidade de Jena, Alemanha, originalmente em alemão, transcrito, editado e traduzido para o português por Rafael H. Silveira, são abordados pontos que complementam o entendimento da Teoria da Aceleração através de uma perspectiva voltada para a realidade brasileira.
  • Tempo e bem estar

    por 
    Robert Levine
    resumo 
    Neste artigo examino o impacto da experiência temporal – o emprego do tempo, concepções do tempo e normas temporais - sobre a felicidade e o bem estar; sugiro políticas públicas voltadas à ampliação dessa experiência. Inicio com uma revisão da literatura relativa às interrelações entre o tempo, dinheiro e felicidade. Em segundo lugar, reviso dados e questões em torno dos horários de trabalho e não trabalho ao redor do mundo. Em terceiro lugar, descrevo numa perspectiva mais ampla as questões temporal que deveriam ser levadas em consideração nas decisões de políticas públicas, por exemplo, medidas de relógio versus eventos, enfoques monocrônicos versus policrônicos, definições de tempo perdido, ritmo de vida e orientação temporal. Concluo com sugestões para a elaboração de políticas do emprego do tempo voltadas para aumentar a felicidade individual e coletiva. Trata-se de um truísmo virtual o modo como empregamos nosso tempo se expressa no modo como vivemos nossas vidas. Nosso tempo é o bem mais valioso do qual dispomos. Boa parte desse tempo, no entanto, é controlado por outros, desde nossos empregadores até nossos familiares mais próximos. Também está claro que existem diferenças profundas – individuais, sócio econômicas, culturais e nacionais – no grau de controle que indivíduos exercem sobre seus próprios tempos (ver p. exemplo LEVINE, 1997; LEE, et al., 2007). Pode ser argumentado que políticas públicas são necessárias para proteger os “direitos temporais” dos indivíduos, particularmente aqueles mais vulneráveis à exploração. Este artigo foi motivado por um projeto de largo espectro do qual tive a oportunidade de participar. O projeto começou na primavera de 2012 na sequência de uma resolução da ONU, aprovada por unanimidade em sua Assembleia Geral, na qual “felicidade” foi incluída na agenda global. O Butão foi convidado a receber um grupo interdisciplinar de “experts” internacionais com a tarefa de elaborar recomendações para incentivar a busca da felicidade no planeta; mais especificamente desenvolver um “novo paradigma para o desenvolvimento mundial”. O Butão é um pequeno país pobre, cercado de montanhas na região do Himalaia, foi escolhido para essa tarefa em função do pioneirismo de seu projeto de “Felicidade Nacional Bruta” - FNB (Gross National Happiness - GNH). “Progresso” na definição dos autores desse projeto, “deveria ser visto não apenas através das lentes da economia como também a partir de perspectivas espirituais, sociais, culturais e ecológicas”. Felicidade e desenvolvimento, em outras palavras, dependem em mais fatores do que o crescimento e acumulação de capital. Inglaterra, Canadá e outros países e organizações de dimensões nacionais seguiram na mesma direção do Butão, estabelecendo medidas de FNB (LEVINE, 2013). Um dos domínios centrais do índice de FNB do Butão é “emprego do tempo” que correspondeu à minha participação no relatório do grupo de estudo. Este artigo está bastante apoiado naquele relatório e nas inferências que o projeto me proporcionou. Discuto quatro conjuntos de temas: I. As interrelações entre tome, dinheiro e felicidade. Máxima importância, qual a relevância do emprego do tempo com o bem estar e a felicidade? II. Emprego do tempo: questão dos horários e políticas de organização do trabalho. III. Outors fatores tempais que devem ser considerados ao formularo políticas de promoção de felicidade.. IV. Sugestões para elaboração de políticas: a chamada para uma “Lei de Direitos Temporais”.
  • A ilusão dos relógios: uma ameaça à saúde

    por 
    Mario Pedrazzoli
    resumo 
    A mecanicidade ou digitalidade dos relógios representa a imutabilidade da duração de frações de tempo. A contagem das 24h de um dia teve como referência, a princípio, as pistas ambientais associadas às condições do dia e da noite que são diferentes em diferentes locais da terra e portanto mutáveis. A emergência de uma sub-área da Biologia, a Cronobiologia, em meados do século XX permitiu a interpretação de que a apreensão do tempo de um dia como regularidade mecânica aliena os seres humanos da percepção da temporalidade diária como integração entre temporalidade ambiental e temporalidade biológica. Pretendo demonstrar que esse equívoco perceptual da duração do tempo de um dia pode ter como consequência uma desorganização temporal fisiológica que é a origem ou está associada a origem de muitas doenças modernas.
  • Os horários fora de lugar – ritmos biológicos e literatura

    por 
    Muara Kizzy Figueiredo
    resumo 
    Este trabalho analisa a relação existente entre personagens e ambiente e objetiva investigar como, supostamente, se deu a implantação no Brasil do século XIX dos ritmos sociais europeus, tendo em vista os ritmos biológicos da população brasileira (em termos coletivos) – adaptada ao ambiente tropical. Para tal estudo, foram analisados alguns textos literários do período (em especial a obra de Machado de Assis e Eça de Queirós) - visando identificar menções aos horários de sono, refeições, atividades sociais e aspectos do sono; bem como a leitura de autores contemporâneos que discutem a construção de identidades nacionais – em especial no Brasil – e ainda; autores que investigam a temática do tempo – seja em termos cronológicos, psicológicos e biológicos.
    palavras-chave 
  • Slow movement: reação ao descompasso entre ritmos sociais e biológicos

    por 
    Rafael Chequer Bauer, Alexandre Panosso Netto e Luiz Gonzaga Godoi Trigo
    resumo 
    Este artigo discute o descompasso entre os ritmos biológicos e os ritmos sociais emergentes a partir da Revolução Industrial. Para tal, são apresentados indícios de mudanças rítmicas nas últimas décadas, acarretando um processo contínuo e profundo de aceleração e mecanização sociocultural, predominante nas estruturas societárias capitalistas. Em seguida, discute-se a relação entre ritmos sociais e ritmos biológicos, com a contribuição conceitual advinda da Cronobiologia. Por fim, destaca-se o processo de surgimento e consolidação do Slow Movement nas últimas décadas, tornando-se mais um indício da desarticulação temporal vivenciada nos dias atuais.
  • Os tempos da vida

    por 
    Luiz Menna-Barreto
    resumo 
    O tema do tempo tem atraído bastante atenção no ambiente acadêmico contemporâneo. Apresentarei uma abordagem na qual são associados os conceitos de condicionamento reflexo clássico com a cronobiologia, área na qual a dimensão temporal da matéria viva é explorada. O conceito de antecipação é proposto como elo central dessa associação. Discuto a seguir os níveis de determinação que podem ser propostos a partir da observação de fenômenos temporais nos organismos. Concluo com as noções de desafios e armadilhas temporais que parecem caracterizar fortemente os dilemas humanos num mundo globalizado, conduzindo a diferentes processos de adaptação resultantes desses desafios e armadilhas.
  • Resenha do livro Aceleração e alienação: Esboço de uma teoria crítica da temporalidade na Modernidade tardia, Harmut Rosa

    por 
    Rafael H. Silveira
    resumo 
    Em Aceleração e alienação: Esboço de uma teoria crítica da temporalidade na Modernidade tardia, Hartmut Rosa recapitula resumidamente e amplia sua Teoria da Aceleração Social. A ampliação da teoria se dá em primeiro lugar através da análise de elementos desaceleradores da tendência aceleratória e, em seguida, da análise das consequências da aceleração para a Teoria Crítica social atual, cujos questionamentos levantados e respostas dadas até o presente momento não apresentariam uma solução para a perda da credibilidade do projeto da Modernidade, uma vez que a aceleração social teria sucumbido e instrumentalizado a possibilidade de autonomia prometida. Partindo da busca de uma resposta à questão de o que seria uma vida plena, Rosa retraça, assim, o contexto do surgimento de diferentes categorias de alienação, retratando em sua teoria uma tendência social crescente extremamente relevante e em crescimento na era moderna.

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  • Editorial

    Editorial

    por 
    os editores
    resumo 
    A Revista Estudos Culturais chega agora ao seu número três, no mesmo momento em que o Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais da EACH-USP completa seu sexto ano de atuação. O amadurecimento de nossas empreitada é marcado pela amplitude dos temas desta edição da Revista. O campo dos estudos culturais, sempre liberto das amarras disciplinares tradicionais, aparece aqui em várias de suas múltiplas chaves.
  • Sobre os autores

    Sobre os autores

    resumo 
    Eduardo Wanderley Martins, Carlos Velázquez, Damián Cabrera, Madalena Pedroso Aulicino, Daniela Signorini Marcilio, Agnès García Ventura, André Vitor Brandão Kfuri Borba e Mariana Moreira.
  • Mídia: o Novo Totem Dessacralizado

    Mídia: o Novo Totem Dessacralizado

    por 
    Eduardo Wanderley Martins e Carlos Velázquez
    resumo 
    O presente texto tem como objetivo refletir sobre a função de mediação da Mídia para o Sagrado, partindo da concepção de Mídia como novo totem nas sociedades contemporâneas. Sob a metodologia indutivo-analítica de base bibliográfica e documental, explora-se a hipótese de que a mídia, como novo totem nas sociedades midiáticas , cumpre a função organizadora, mas não a função mediadora. A mídia não liga as aspirações e necessidades humanas ao Transcendente, encerrando em si mesma a satisfação dessas aspirações através do fornecimento de bens simbólicos, mas que não têm contato com suas fontes originárias – não há relação com o Sagrado. Dessa forma, a mídia se apresenta nas sociedades midiáticas como um totem dessacralizado - oferece bens de grandes valores universais, mas desprovidos de lastro divino.
    palavras-chave 
  • Literatura paraguay/guaraní - transversalidades

    Literatura paraguay/guaraní - transversalidades

    por 
    Damián Cabrera
    resumo 
    Passando por trabalhos compilatórios dos escritores paraguaios Augusto Roa Bastos e Rubén Bareiro Saguier, e a partir de discursos literários e não literários, analisa-se a ambiguidade fundada na palavra guarani; que designa, indistintamente, uma língua, uma cultura, uma etnia; e que, por metonímia, constitui-se em apelido-gentílico dos paraguaios. Relações entre literatura paraguaia e literatura Guarani são exploradas, desde a perspectiva dos autores citados; tanto conhecedores e divulgadores da mesma, como dois dos poucos paraguaios capazes de ultrapassar um cerco de isolamento cultural graças, em parte, ao exílio político; sob a luz de uma tradição crítica latino-americana hispanizante que, enquanto invisibiliza a literatura paraguaia, contribui com uma mistificação dela, fundada em sua peculiaridade linguística, seja ela real ou inventada.
    palavras-chave 
  • O brincar e o saber de experiência: uma forma de resistir

    O brincar e o saber de experiência: uma forma de resistir

    por 
    Madalena Pedroso Aulicino e Daniela Marcílio
    resumo 
    O brincar é uma atividade livre e séria, possui finalidade autônoma e é um intervalo da vida cotidiana (HUIZINGA, 2005; CAILLOIS, 1990). A criança se desenvolve, adquire experiência, constrói e transmite sua cultura lúdica brincando (WINNICOTT, 1979; BROUGÈRE, 2008). Mas, que brincar é esse promovido e recomendado na atualidade? O objetivo desse artigo é refletir sobre a redução do tempo da infância em prol de uma ideologia da produção e do consumo, que valoriza a informação, o conhecimento e o aprendizado técnico e científico, e reduz o “saber de experiência” (BONDÍA, 2002). Nesse contexto, a retomada do brincar como atividade livre e uma experiência de vida seria uma possibilidade de resistência aos valores vigentes. Constatou-se que os Estudos Culturais como estratégia crítica e política podem contribuir para repensar o brincar hoje.
    palavras-chave 
  • Investigación feminista, historia de las mujeres y mujeres en la historia en los estudios sobre Próximo Oriente Antiguo

    Investigación feminista, historia de las mujeres y mujeres en la historia en los estudios sobre Próximo Oriente Antiguo

    por 
    Agnès García Ventura
    resumo 
    Suele decirse que el estudio del pasado siempre tiene relación con el presente y con el futuro, bien porque presente y futuro se construyen a su imagen y semejanza, bien porque no podemos imaginar un pasado sin los referentes de nuestro presente. Por este motivo, ocuparse de la historia de las mujeres en la Antigüedad y de cómo incluir a las mujeres en la historia, nos permite reflexionar acerca de la situación de las mujeres en el mundo presente en el que vivimos y en el mundo futuro en el que querríamos vivir. En este artículo propongo aproximarnos a este tema con las herramientas críticas de la investigación feminista, ilustrando la propuesta con algunos ejemplos acerca de cómo algunos sesgos pueden afectar al modo en que se aborda el estudio de las vidas de las mujeres en el Próximo Oriente Antiguo.
  • A higienização do século XIX e o "contra corrupção" do século XXI: Similaridades no discurso das elites no Brasil

    A higienização do século XIX e o "contra corrupção" do século XXI: Similaridades no discurso das elites no Brasil

    por 
    André Vitor
    resumo 
    Cada momento histórico é único, mas carrega em si tensões permanentes, num paradoxo entre o novo e o velho, valendo-se de novas experiências sem, entretanto, negar toda a bagagem cultural adquirida. Assim, este trabalho busca relacionar dois momentos distintos da história do Brasil, mas com características em comum: a higienização do início da República e o momento recente, em que estava em jogo o mandato da presidente Dilma Rousseff. Por ser o Brasil um país com pouca mobilidade social e sem alterações substanciais no seu controle político, veremos como os interesses das camadas superiores da sociedade se reproduzem e se perpetuam, no intuito de fazer a população aderir a essa ideologia em favor de seus interesses privados.
    palavras-chave 
  • Resenha do livro Memória Coletiva e Identidade Nacional, Miryam Santos

    Resenha do livro Memória Coletiva e Identidade Nacional, Miryam Santos

    por 
    Mariana Moreira
    resumo 
    A presente resenha aborda o livro “Memória Coletiva e Identidade Nacional”, de autoria de Myrian Sepúlveda dos Santos. Importante pesquisadora de temas como memória, identidade, práticas políticas, culturais e relações raciais, obteve seu título de doutora em Sociologia pela New School for Reserch de Nova Iorque e desenvolveu pesquisas em pós-doutorado no Centro de Estudos Latino-Americanos da University of Cambridge; no Centro de Pesquisa sobre Relações Sociais da Université de Paris V e no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Atualmente é professora associada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e coordena o Grupo de Pesquisa Cultura e Poder, registrado no CNPQ Arte, e o museu Afrodigital. Suas análises abordam teorias de nomes de grande relevância para os Estudos Culturais como Karl Marx, Walter Benjamin, Michel Foucault, Maurice Halbwach, Stuart Hall entre outros.
    palavras-chave 

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  • editorial
  • sobre os autores
  • Funk ostentação em São Paulo: imaginação, consumo e novas tecnologias da informação e da comunicação

    Funk ostentação em São Paulo: imaginação, consumo e novas tecnologias da informação e da comunicação

    por 
    Alexandre Barbosa Pereira
    resumo 
    O artigo aborda a configuração recente de um movimento musical, protagonizado principalmente por jovens de origem pobre, em São Paulo, o funk ostentação. A partir da pesquisa em casas noturnas e da observação de videoclipes na internet, explora-se a importância das referências a marcas de diferentes produtos e bens de valor elevado e a imagem como componente fundamental para a apresentação e divulgação desse estilo musical. Nesse circuito funk, a proposição de Arjun Appadurai sobre a centralidade do deslocamento pelas migrações e novas tecnologias da comunicação mostra-se como um caminho importante para se refletir sobre esse funk a partir da ideia de imaginação.
  • Marcos fundamentais da Literatura Periférica em São Paulo

    Marcos fundamentais da Literatura Periférica em São Paulo

    por 
    Antonio Eleison Leite
    resumo 
    A literatura da periferia de São Paulo se divide em dois períodos históricos: a) Literatura Marginal, de 2000 a 2005 e b) Literatura Periférica, a partir de 2005 até os dias atuais. A primeira fase teve como marco inaugural a publicação do livro Capão Pecado, de Ferréz, no ano 2000, obra muito influenciada pela cultura hip hop, especialmente o RAP. Este escritor foi o principal nome dessa fase, sendo também seu maior articulador, ao coordenar inúmeras coletâneas literárias que proporcionaram o surgimento de dezenas de autores. O segundo período é marcado pela ascensão dos saraus, principalmente do Sarau da Cooperifa. Este Coletivo publicou sua antologia em 2005 e estimulou diversos saraus a fazerem o mesmo. Viabilizados, em boa parte, por políticas públicas, perto de 200 livros, coletivos e individuais, foram lançados desde então, configurando um vigoroso movimento cultural. Entretanto, passados 12 anos, a rubrica periférica e/ou marginal se mostra insuficiente para identificar essa prática literária. Este artigo apresenta duas hipóteses para superação desse problema. A primeira é contextualizar a literatura periférica como uma dimensão da cultura popular urbana, ampliando assim o seu alcance como expressão cultural, sem prejuízo da sua identificação de origem. A segunda é de ordem estética e implica na afirmação da busca da qualidade como um imperativo da criação. Esse desafio, porém, requer, por parte dos escritores, uma disposição para se submeterem à crítica, ao mesmo tempo em que torna-se necessário um novo paradigma crítico que possa responder à especificidade dessa literatura.
  • Estudios culturales en América Latina

    Estudios culturales en América Latina

    por 
    Eduardo Restrepo
    resumo 
    Duas grandes confusões parecem operar, com frequência, nos discursos em torno dos estudos culturais na América Latina. A primeira é a equivalência de estudos culturais e estudos sobre a cultura. A segunda, muito frequente no contexto estadunidense, é misturar sob o rótulo de estudos culturais a produção heterogênea de intelectuais latino-americanos que abordaram assuntos de cultura e poder e a de acadêmicos latino-americanistas das universidades do Norte. Neste artigo se evidenciam os problemas de ambas as confusões e se sublinham algumas de suas nefastas consequências para a articulação de um projeto intelectual e político de estudos culturais na América Latina.
  • Valesca Popozuda: ministra da Educação

    Valesca Popozuda: ministra da Educação

    por 
    Aristóteles Berino
    resumo 
    Os chamados funks sensuais fazem parte da cultura juvenil da cidade do Rio de Janeiro. Valesca Popozuda é uma das suas principais estrelas, amplamente conhecida através das mídias. As vozes femininas do funk chamam atenção pelas letras que narram façanhas e fantasias que destoam da imagem que são destinadas ao sexo feminino. São vozes que que presentificam existências recalcadas pelo falocentrismo dominantes nas narrativas sobre o amor, o sexo e a vida na cidade. Seus aspectos políticos e culturais são agora estudados e debatidos. A política convencional também desperta para a cultura popular das periferias. O artigo lembra dois encontros ocorridos entre Lula e Valesca Popuzada, nos anos de 2008 e 2009. Oportunidade para a funkeira entregar ao então presidente uma letra de música que fala da favela, do funk, dos jovens e até da possibilidade de ser ministra da Educação. O artigo discute a intromissão das vozes femininas dos funks sensuais na vida das cidades como agenciamento politicamente significativo através das interpelações que produz. Na tradição dos estudos culturais, se propõe a problematizar o poder através também da criação popular no circuito da cidade.
  • Rolezinhos: Marcas, consumo e segregação no Brasil

    Rolezinhos: Marcas, consumo e segregação no Brasil

    por 
    Rosana Pinheiro-Machado e Lucia Mury Scalco
    resumo 
    No início de 2014, o fenômeno conhecido como rolezinho ganhou ampla visibilidade nacional e internacional. Trata-se de adolescentes das periferias urbanas que se reúnem em grande número para passear nos shopping centers de suas cidades. O evento causou apreensão nos frequentadores e fez com que alguns proprietários dos estabelecimentos conseguissem o direito na justiça de proibir a realização dos rolezinhos, barrando o acesso dos jovens. Desde então, emergiu um amplo debate sobre segregação na sociedade brasileira. Com base em uma pesquisa etnográfica sobre consumo popular com jovens da periferia de Porto Alegre, o artigo analisa o fenômeno dos rolezinhos, abordando suas dimensões locais, nacionais e globais. Levando em consideração o atual momento brasileiro, que versa sobre políticas de ascensão social via consumo e sobre uma onda de protestos de inquietação social, argumentamos que os rolezinhos estão se modificando e encontrando diversas formas de discutir e realizar política cotidiana no âmago de uma sociedade segregada.
  • Matriz biológico-cultural da existência humana: fundamentos para aprender, ensinar e educar

    Matriz biológico-cultural da existência humana: fundamentos para aprender, ensinar e educar

    por 
    Maria Elena Infante-Malachias
    resumo 
    Neste ensaio apresentamos uma reflexão sobre a matriz biológico-cultural da existência humana a partir da epistemologia da Biologia do Conhecer, que considera o conhecimento a partir do sujeito que conhece. A matriz que constitui o cerne da Biologia Cultural corresponde à trama relacional onde o homem surge se realiza e conserva o seu viver humano. Nesta trama relacional que se inicia em um processo histórico que teve a sua origem há bilhões de anos, surgem todos os mundos que vivemos como as distintas dimensões do nosso viver cultural. Discutimos a relevância desta perspectiva, que considera ao mesmo tempo a constituição biológica e a cultura, para as relações humanas do ensinar e aprender e destacamos a possibilidade de transformação que surge ao considerar o outro como um legítimo outro na convivência.
  • Ethnical Afro Tourism in Brazil

    Ethnical Afro Tourism in Brazil

    por 
    Luiz Gonzaga Godoi Trigo e Alexandre Panosso Netto
    resumo 
    O artigo desenvolve uma discussão teórica sobre o turismo étnico afro no Brasil. A temática somente recentemente tem merecido a devida atenção dos estudiosos, motivo pelo qual se justifica a abordagem. Os objetivos são três: 1) revisar a história das culturas afros no Brasil; 2) identificar as forças que garantem o respeito a essas identidades e; 3) analisar como os destinos afro devem ser trabalhados neste contexto. A metodologia empregada é a revisão teórica dos textos que abordam a cultura afro brasileira, tendo como pano de fundo da discussão os delineamentos dos estudos culturais. Conclui-se que o produto turístico com base na cultura afro é um produto viável no Brasil, porém deve primar pelos quesitos de respeito, alteridade, ética e valorização de todas as culturas envolvidas no processo.
  • Alfabetização científica e cartográfica no ensino de ciências e geografia: polissemia do termo, processos de enculturação e suas implicações para o ensino

    Alfabetização científica e cartográfica no ensino de ciências e geografia: polissemia do termo, processos de enculturação e suas implicações para o ensino

    por 
    Veronica Guridi e Valeria Cazetta
    resumo 
    Neste trabalho realizamos uma análise crítica com relação ao significado do conceito “alfabetização científica” dentro do campo da Educação em Ciências e em Geografia. Constatamos que o termo é ainda bastante polissêmico e que dependendo do enfoque adotado, se seguem diferentes implicações para o ensino de Ciências. Concluímos mostrando uma definição do termo que incorpora elementos dos recentes estudos na área bem como da vertente dos Estudos Culturais em Educação.
  • A fome antropofágica - utopias e contradições

    A fome antropofágica - utopias e contradições

    por 
    Fernanda Oliveira Filgueiras Santos e Mauro de Mello Leonel
    resumo 
    O Modernismo no Brasil significou um marco, que anunciou o fim de um período cultural caracterizado pelo legado e pelo conservadorismo. O Movimento Antropofágico foi a síntese artística e intelectual dessas reflexões. Este trabalho se propõe a discutir as contribuições e controvérsias deixadas pelo movimento no contexto de urbanização e cosmopolitismo em que ele emergiu na cidade de São Paulo.
    palavras-chave 
  • A versão encantada da pós-modernidade

    A versão encantada da pós-modernidade

    por 
    Mauro de Mello Leonel e Maira Mesquita
    resumo 
    O livro em epígrafe tem como objetivo principal relatar com rigor cronológico as origens das versões de pós-modernidade ("não como idéia, mas como fenômeno"), remontando ao modernismo. Numa abordagem incomum o autor percorre, no tempo e nas circunstâncias, as dimensões estéticas, históricas e políticas da express
  • Dossiê "Temporalidades"
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Sobre os autores

resumo 
Luiz Menna-Barreto, Mario Pedrazzoli, Robert Levine, Muara Kizzi Figueiredo, Rafael H. Silveira, Rafael Chequer Bauer, Alexandre Panosso Neto e Luiz Gonzaga Godoi Trigo escrevem no número dois da Revista de Estudos Culturais.
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Tempo e bem estar

por 
Robert Levine
resumo 
Neste artigo examino o impacto da experiência temporal – o emprego do tempo, concepções do tempo e normas temporais - sobre a felicidade e o bem estar; sugiro políticas públicas voltadas à ampliação dessa experiência. Inicio com uma revisão da literatura relativa às interrelações entre o tempo, dinheiro e felicidade. Em segundo lugar, reviso dados e questões em torno dos horários de trabalho e não trabalho ao redor do mundo. Em terceiro lugar, descrevo numa perspectiva mais ampla as questões temporal que deveriam ser levadas em consideração nas decisões de políticas públicas, por exemplo, medidas de relógio versus eventos, enfoques monocrônicos versus policrônicos, definições de tempo perdido, ritmo de vida e orientação temporal. Concluo com sugestões para a elaboração de políticas do emprego do tempo voltadas para aumentar a felicidade individual e coletiva. Trata-se de um truísmo virtual o modo como empregamos nosso tempo se expressa no modo como vivemos nossas vidas. Nosso tempo é o bem mais valioso do qual dispomos. Boa parte desse tempo, no entanto, é controlado por outros, desde nossos empregadores até nossos familiares mais próximos. Também está claro que existem diferenças profundas – individuais, sócio econômicas, culturais e nacionais – no grau de controle que indivíduos exercem sobre seus próprios tempos (ver p. exemplo LEVINE, 1997; LEE, et al., 2007). Pode ser argumentado que políticas públicas são necessárias para proteger os “direitos temporais” dos indivíduos, particularmente aqueles mais vulneráveis à exploração. Este artigo foi motivado por um projeto de largo espectro do qual tive a oportunidade de participar. O projeto começou na primavera de 2012 na sequência de uma resolução da ONU, aprovada por unanimidade em sua Assembleia Geral, na qual “felicidade” foi incluída na agenda global. O Butão foi convidado a receber um grupo interdisciplinar de “experts” internacionais com a tarefa de elaborar recomendações para incentivar a busca da felicidade no planeta; mais especificamente desenvolver um “novo paradigma para o desenvolvimento mundial”. O Butão é um pequeno país pobre, cercado de montanhas na região do Himalaia, foi escolhido para essa tarefa em função do pioneirismo de seu projeto de “Felicidade Nacional Bruta” - FNB (Gross National Happiness - GNH). “Progresso” na definição dos autores desse projeto, “deveria ser visto não apenas através das lentes da economia como também a partir de perspectivas espirituais, sociais, culturais e ecológicas”. Felicidade e desenvolvimento, em outras palavras, dependem em mais fatores do que o crescimento e acumulação de capital. Inglaterra, Canadá e outros países e organizações de dimensões nacionais seguiram na mesma direção do Butão, estabelecendo medidas de FNB (LEVINE, 2013). Um dos domínios centrais do índice de FNB do Butão é “emprego do tempo” que correspondeu à minha participação no relatório do grupo de estudo. Este artigo está bastante apoiado naquele relatório e nas inferências que o projeto me proporcionou. Discuto quatro conjuntos de temas: I. As interrelações entre tome, dinheiro e felicidade. Máxima importância, qual a relevância do emprego do tempo com o bem estar e a felicidade? II. Emprego do tempo: questão dos horários e políticas de organização do trabalho. III. Outors fatores tempais que devem ser considerados ao formularo políticas de promoção de felicidade.. IV. Sugestões para elaboração de políticas: a chamada para uma “Lei de Direitos Temporais”.
 
entrevista

Ordem e progresso, aceleração e alienação

por 
Rafael H. Silveira
resumo 

Como diversos exemplos dados em Aceleração e alienação [1] [1] ROSA, Hartmut. Beschleunigung und Entfremdung: Entwurf einer kritischen Theorie spätmoderner Zeitlichkeit. Traduzido do inglês para o alemão por Robin Celikates. Berlim: Suhrkamp Verlag, 2013. confirmam, a condição de especialista no campo da aceleração social muitas vezes não exime o próprio autor da ação dos fenômenos por ele analisados – sobretudo por se tratar de uma das personalidades acadêmicas mais conhecidas, citadas e requisitadas na imprensa alemã atualmente. Como minha resenha da análise de Hartmut Rosa mostra, a obra está longe de ser die Entdeckung der Langsamkeit ou um éloge de la lenteur, como interpretado por alguns. No diálogo, conduzido em 23/10/2014 na cidade de Jena, Alemanha, originalmente em alemão, transcrito, editado e traduzido para o português por Rafael H. Silveira, são abordados pontos que complementam o entendimento da Teoria da Aceleração através de uma perspectiva voltada para a realidade brasileira.

 
Order and progress, acceleration and alienation
abstract 

Like many of the given examples in Acceleration and Alienation: Towards a Critical Theory of Late-Modern Temporality reinforce, often not even a specialist in Chronosociology is immune to the action of the phenomena he/she analyses – especially in the case of one of the actually most known, cited and solicited researchers in the german press. This review of Hartmut Rosa’s above mentioned book shows that it is far away of being an Entdeckung der Langsamkeit or an éloge de la lenteur, as some interpretations seem to pledge. In the dialog, carried originally in german on october 23rd 2014 in Jena, Germany, transcribed, edited and translated into brazilian portuguese by Rafael H. Silveira, some points which are complementary for the understanding of the theory of social acceleration were discussed through the perspective of the brazilian reality.

 

Um diálogo com o Dr. Hartmut Rosa (Universidade Friedrich-Schiller de Jena, Alemanha)

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Caro Hartmut Rosa, primeiramente gostaria de agradecer pela oportunidade de encaixar essa entrevista no seu horário (de atendimento pela cátedra de Sociologia e Teoria Social da Universidade de Jena) e começar com uma questão de cunho biográfico: Sua formação na graduação não foi Sociologia, mas sim Ciências Políticas, Filosofia e Germanística. Como surgiu a ideia da Teoria da Aceleração Social?

Conceitualmente levou um pouco mais de tempo. Minha inspiração principal para o que faço hoje e o que fiz após esse período na London School of Economics, onde estudei ainda como undergraduate, foi (o filósofo político canadense) Charles Taylor, no campo da Filosofia Social. Sobre ele escrevi mais tarde minha dissertação de doutorado, já em Berlim, sob a orientação de Axel Honneth – dentro da Teoria Crítica – de onde se desenvolveu uma faceta do meu interesse. Charles Taylor aborda a questão da conduta de vida. Naquela época ele me enviou um manuscrito, Living Our Life ou “Como conduzimos nossa vida”. Sua teoria era de que o fazemos por meio de um forte juízo de valor. Eu vinha de um contexto da Teoria Crítica, que parte do princípio de que há algo errado no modo como conduzimos nossa vida, e cheguei à ideia de que isso está relacionado com as estruturas temporais, de que não são apenas juízos valorativos que determinam nossa conduta de vida, pois mesmo no cotidiano nos confrontamos com obrigações. Nesse sentido há ainda uma faceta claramente autobiográfica: Percebi a grande discrepância entre minha existência ou minha conduta de vida em uma cidade grande como Londres ou, mais tarde, Berlim em comparação com um pequeno vilarejo nas montanhas da Floresta Negra, de onde venho, onde a velocidade da vida, seu ritmo parecem ser menores, a existência parece mais lenta, o sentimento em relação à vida, a percepção do tempo, talvez também em função da percepção do tempo-espaço. Afinal, um vilarejo é um horizonte espacial claramente menor, um horizonte de opções mais reduzido.

Houve alguma influência de aspectos da Economia na construção da teoria, pensando na London School of Economics? Afinal, aspectos do capitalismo constituem um dos motores propulsores da aceleração, como descrito na Teoria (da Aceleração Social).

Não diretamente naquela época. A London School of Economics and Political Science procura abranger também a Filosofia Social, não concentrei meus estudos em Economia. Mas apesar disso a afirmativa é verdadeira no sentido que o dinheiro desempenha claramente um papel importante (para a aceleração). Georg Simmel elabora essa ideia, relacionando-a à transformação do ritmo da vida. Ele formulou a hipótese, abordada por Robert Levine, de que o tamanho de uma cidade é sim um fator evidente (de influência do ritmo de vida), mas o dinheiro também. Os grandes centros financeiros, Nova Iorque, Londres, Frankfurt, parecem se orientar segundo um ritmo temporal sensivelmente mais intenso. Há uma correlação quase que direta, que, a propósito, é postulada por (Staffan B.) Linder como uma correlação direta e uma inversa entre abundância de bens e abundância de tempo. Quanto mais rico um país, um Estado, um determinado grupo são, menos tempo eles terão.

Por falar em Robert Levine, que descreve seus choques culturais temporais por ocasião de sua estadia no Brasil, quais foram suas impressões nesse sentido?

Eu já estive algumas vezes... três vezes no Brasil, mas…

Sempre por pouco tempo…

Sempre por pouco tempo e sobretudo nas grandes cidades. Estive no Rio (de Janeiro), em Recife e Olinda... O Recife também é uma cidade grande. Apesar da desigualdade e da presença de mais elementos rurais no Nordeste, também tive a impressão de existirem segmentos nas cidades e no interior controlados por outros padrões temporais, característicos de processos aceleratórios da Modernidade tardia. Porém ali ocorre um choque intenso de padrões, nas cidades grandes, nos centros urbanos. O Rio (de Janeiro) possui muitos traços de grande metrópole, mas mesmo no interior do país encontrei um impulso dinamizatório muito intenso, um impulso de modernização – por falar em fatores econômicos. Há um processo de crescimento evidente. O que eu acho surpreendente é que a aceleração é composta também por processos de crescimento e inovação – na Modernidade européia, a partir do século XVIII até metade do século XX, essa ideia sempre foi associada a movimento, progresso, melhoria. Acredito que isso ainda pode ser visto em diversos segmentos no Brasil, esse espírito de que a aceleração não seria meramente uma obrigação de se manter o já estabelecido. Essa ao menos é a minha impressão como europeu: A cada ano precisamos nos tornar mais rápidos simplesmente para não retroceder. No Brasil parece ainda haver a ideia de que é preciso se tornar mais rápido para avançar. Uma coisa que pessoalmente me fascinou: Eu estive na Rocinha, que era tida como a maior favela da América Latina, hoje já não sei se ainda é, mas lá está acontecendo essa... não é a gentrificação, como é o nome…

A pacificação... intervenção das UPP (Unidades de Polícia Pacificadora)…

Exato, a pacificação por meio de unidades militares ou paramilitares que talvez conseguissem fazer dali um exemplo. Talvez a Rocinha nem seja mais uma favela, já que muitos escolhem morar lá. Em todo caso, tive uma impressão inesperada, vinda provavelmente de um estereótipo ou do fato de ter ido com um guia, mas encontrei muita dinâmica e até alegria! Não vi o que achei que veria: depressão, depravação, viciados, alcoólatras, crianças mal cuidadas ou doentes. Claro que também há problemas e vê-se a pobreza, mas há também muito movimento, otimismo e alegria de viver, eu diria, olhando de uma perspectiva europeia. Eles vêm de uma situação desprivilegiada, têm consciência disso, mas mesmo assim mantém uma perspectiva de que tudo poderia, deveria melhorar, vai melhorar. Enquanto em regiões na Europa, em áreas precárias, há uma certa depressão, um sentimento paralisante. Assim como na América do Norte, em regiões pobres vê-se a decomposição, a decadência, a sensação de se ter falhado, de que nada mais se move. E essa não foi minha percepção no Brasil, ao menos não na Rocinha. Apesar de todos os problemas que existem lá, com violência, drogas e outros fatores. Minha impressão do Brasil foi de uma sociedade relativamente dinâmica, com uma série de problemas, como a desigualdade, corrupção e outros, mas no geral com um sentido de dinamismo e uma dinâmica de progresso. Certamente existem tendências contrárias à aceleração, tentativas de concretizar outras formas de convívio, mas em geral aceleração e crescimento não são percebidos como problema, pelo contrário, há um anseio por eles.

Essa característica de otimismo apesar dos problemas não é um fator que impediria a aceleração da transformação social? Assim como desigualdade (social), corrupção... Em outras palavras: A Teoria da Aceleração consegue abarcar a heterogeneidade da configuração social brasileira? Caso não, quais seriam os pontos de divergência com relação à realidade europeia ou alemã?

Sinceramente, acredito que a teoria é adequada sim. Procurei desenvolver um conceito de aceleração social baseado não em uma visão cultural, mas sim em medidas quantificáveis e operacionalizáveis em três planos: Primeiramente sob a forma da aceleração técnica – e nesse sentido o Brasil é um excelente exemplo. Ouvi dizer inclusive que o governo de Dilma Rousseff teria considerado inviável a construção de rodovias e ferrovias e decidido construir 800 aeroportos! É absurdamente discrepante se comparado com as discussões que são travadas na Europa, como peak oil etc. É um exemplo claro de que dinamização, através da mobilidade e dinamização material de bens e pessoas, ocupa claramente um lugar importante na ordem social brasileira. Assim como em relação à internet, comunicação, modos de produção etc. A aceleração da transformação social também pode ser identificada no Brasil, uma grave intensificação dos processos de transformação, assim como a aceleração do ritmo de vida, especialmente nos grandes centros e até de maneira mais intensa que na Europa. Há duas diferenças principais (entre a realidade brasileira e a europeia): Os fenômenos de dessincronização da aceleração parecem ser maiores (no Brasil). Para algumas regiões e camadas sociais nada muda. Poderia-se interpretar esse fenômeno como estratificação social, mas seria interessante analisar seus padrões temporais, horizontes temporais, a percepção e administração temporais.

O fator corrupção é muito interessante, especialmente quando se aborda democracias escleróticas, como já tentei investigar no capítulo sobre Política (do livro Aceleração). [2] [2] ROSA, Hartmut. Beschleunigung. Die Veränderung der Zeitstrukturen in der Moderne. Frankfurt a. M.: Suhrkamp, 2011. Título da tradução do livro para o português: Aceleração. Uma análise sociológica do tempo na Modernidade. Traduzido para o português brasileiro por Rafael H. Silveira. Submetido para publicação no Brasil. A burocracia, que na época de Max Weber era sinônimo de eficiência e rapidez, é hoje, no século XXI, quase sempre sinônimo de esclerose, de inércia. Nesse sentido, a corrupção pode por vezes representar um fator aceleratório. É muito interessante observar isso no Brasil: Quando há um projeto, seja um estádio de futebol ou outra coisa, a não utilização dos meios burocráticos, o suborno pode de fato acelerar a conclusão de um projeto (risos). É lógico que isso traz consigo efeitos disfuncionais, mas em diversos setores pode-se encontrar a corrupção como estratégia aceleratória e também desaceleratória, para interromper processos. Não estou defendendo a corrupção, que não é uma forma democrática de intervenção, mas pode-se observar esse fenômeno.

Paralelo isso, a aceleração é bem maior em alguns segmentos, setores e camadas (sociais), onde uma grande frustração, com grande potencial de indignação, é perceptível – surpreendentemente na classe média! se não me engano, não?

Sim, é interessante notar, nesse sentido, que embora índices de ascensão social da classe baixa para classe média e de erradicação da fome apontem uma retração da desigualdade, a resposta a isso foram os protestos populares de 2013.

Exato, é a percepção no sentido de que exatamente nos setores de infraestrutura, de formação educacional etc. as coisas não andariam rápido o suficiente, de que reinaria uma estagnação. Em suma, uma diferença (com relação à realidade europeia) seria uma maior dessincronização (social), ou seja, uma segregação temporal, e uma outra seria o que já mencionei, a percepção do tempo. Não tenho certeza, mas acredito que isso se aplica a muitos setores sociais. A “inércia celérrima”, diagnosticada a partir da modernidade tardia aqui (na Europa), em que as pessoas têm a sensação de ter que correr cada vez mais, embora nada mais se modifique e as relações pareçam petrificadas, não se aplica ainda ao Brasil, ou ainda não tão intensamente. No Brasil, assim como na Ásia, na China, a aceleração ainda é sinônimo de avanço. Por outro lado, a consciência dos aspectos negativos da aceleração cresce cada vez mais. O neoliberalismo, presente em alguns segmentos da sociedade brasileira, representa um programa aceleratório, tanto em função da concorrência econômica quanto do crescimento do ritmo de consumo. Isso me lembra dos shopping centers gigantescos que vi por toda parte no Recife e no Rio, que se parecem no mundo inteiro e onde se encontra logicamente a classe média, não as classes mais baixas. Nesse sentido, o Brasil parece estar nessa tensão global entre organizações com estruturas de concorrência na esfera social, ou seja, de luta pelas estruturas econômicas do capital de um lado e de outro formas de compensação social através de templos de cultura gigantescos. Isso gera insatisfação em ambos os lados.

...além de alienação, como descrito no respectivo capítulo de seu mais recente livro.[3] [3] ROSA, Hartmut. Beschleunigung und Entfremdung: Entwurf einer kritischen Theorie spätmoderner Zeitlichkeit. Traduzido do inglês para o alemão por Robin Celikates. Berlim: Suhrkamp Verlag, 2013. O tema da alienação vem sendo discutido na Alemanha, inclusive aqui em Jena há alguns meses com sua presença, no sentido da definição de um conceito de alienação e, consequentemente, de um conceito de vida não alienada. Ressonância é uma solução igualmente complexa e, como seu próprio livro descreve, ainda em construção, não?

Um dos motivos pelos quais o conceito de alienação foi praticamente abandonado na Teoria Crítica é a inexistência de uma definição clara de uma vida não alienada. Dizer que uma vida não alienada seria aquela que corresponderia à ‘real natureza humana’ não basta. Afinal, os critérios para essas definições resultam de contextos culturais. A própria questão da autenticidade, que coloca que devemos viver de acordo com nossas disposições e capacidades, é complicada, pois disposições e capacidades também são variáveis cronológica e contextualmente. E a ideia de autonomia, para mim também é errônea, a ideia de que a possibilidade de definir como viver levaria à superação da alienação. Ela está até mais ligada à lógica da aceleração. Ou seja, a temática da aceleração e da alienação estão ligadas à nossa concepção de uma vida plena. Nós tentamos tornar o mundo acessível, controlá-lo. Dinheiro é atrativo, tanto para brasileiros quanto para alemães, por trazer o mundo ao nosso alcance. A tecnologia é igualmente uma forma de acesso à informação, a contatos etc. No entanto, a alienação pode ocorrer apesar de uma crescente autonomia, apesar de um acesso cada vez maior ao mundo.

Meu conceito de ressonância é um conceito relacional, não se baseia em um estado emocional, mas sim na forma como nos relacionamos com o mundo, com as coisas, com as pessoas. Minha tese é de que há formas de relação com o mundo que são mudas e outras que são ressonantes. As pessoas conhecem a forma de relação a que chamamos de responsiva ou ressonante, sabem existir uma relação de resposta que requer que o elemento de interação, seja ele um ser humano, a natureza, coisas etc., se manifeste com uma voz própria e tenha momentos de rejeição ou indisponibilidade. Sob essa perspectiva é possível elaborar um conceito de ressonância que significa uma forma específica de relação com o mundo. Como no mundo do trabalho um padeiro que sabe o ponto da massa, que entende que ela nem sempre vai vingar, que há uma imponderabilidade inerente ali. Ou como um jardineiro que, por vezes, não importa o quanto ele se esforce, não consegue fazer com que uma planta floresça. É algo vivo, nós temos uma certa influência sobre aquilo, mas há ali uma voz própria. Assim poderia-se explicar a relação com a natureza, o desejo de que a natureza se comunique, interaja conosco, ou ainda as relações de trabalho – e frustrações nesse campo existem tanto no Brasil quanto na Alemanha –, como o padeiro ou um professor, que não conseguem desenvolver uma relação de ressonância, sem alcançar o material ou o público e sem ser por eles alcançados, sem conseguir modificar, elaborar e finalizar seu material. Há uma grande discussão na Alemanha, acompanhada por sociólogos do trabalho, a respeito de o que seria um bom trabalho. Muitas pessoas entram em colapso ou pedem demissão por sentirem que não conseguem mais desenvolver um bom trabalho. Ou seja, é possível apontar essa relação na esfera do trabalho, na relação com a natureza, no âmbito social ou na relação com o eu. É a forma da relação que importa. Acredito que uma desvirtuação da relação com o mundo é a base da temática da aceleração, o impulso de dominação e controle – que é uma ideia antiga da Teoria Crítica. A dominância da razão instrumental, a relação prometaica com o mundo, como (Herbert) Marcuse coloca.

A alienação não seria assim uma premissa para a lógica aumentativa e da concorrência, em suma, para o capitalismo? Sermos por vezes forçados a nos dedicar a coisas que no fundo não nos interessam, que não têm a ver com nosso eu…

Sim, a orientação para o crescimento, para a concorrência…

“Ordem e progresso”, como na bandeira brasileira.

Sim, representam relações mudas para com o mundo: Ordem é uma relação de reificação, assim como progresso representa a ambição de se manter o crescimento sob controle. Estão intimamente relacionados com o capitalismo, mas, por outro lado, já existe um antídoto. Há estudos apontando que mesmo empregados da limpeza ou de grandes redes de fast-food desejam desempenhar bem suas tarefas, resolver problemas. Não há como fugir disso. Eu concordaria com Marx ou Hannah Arendt ou outros: O ser humano é um animal laboral. O que tento definir é uma Sociologia das relações com o mundo, de como nos relacionamos com o mundo. Não acredito que os indivíduos nasçam com uma forma de relação pronta. Ao relacionar-se é que vão se formando os indivíduos e o mundo. Como diria Karl Marx – ou mesmo Simmel e Hannah Arendt –: “Ao trabalharmos, formamos a nós mesmos.” Por isso não podemos deixar de nos fundir ao trabalho. Ou seja, mesmo no caso de coisas que “não têm a ver com nosso eu”, mesmo em profissões menos prestigiadas existe um desejo de se fundir ao trabalho. E há casos de alienação mesmo entre os cargos mais privilegiados, como o caso (de Greg Smith) no (banco) Goldman Sachs, em que uma relação cínica com mundo e com o trabalho é descrita. Mesmo no meu caso, na universidade, a pressão para escrever requerimentos que trarão recursos ao invés de pesquisar o que acho interessante é exatamente o que emudece uma relação ressonante e impede a sensação de estar trabalhando em mim e no mundo. O requerimento não tem nada a ver comigo e mesmo os recursos podem surtir esse efeito em mim. A questão não é a existência de trabalhos desinteressantes, mas sim a lógica das relações com o mundo, que segue a lógica da comodificação capitalista. Por isso tenho grande esperança no Brasil – e na América Latina em geral – no sentido de que lá surjam conceitos alternativos de vida.

Diante do teor das críticas que programas de distribuição de renda recebem no Brasil e diante da constatação de que a aceleração, ordem e progresso ainda são valores tidos não apenas como aceitáveis, mas até mesmo desejáveis, me parece que está mais para o contrário: A Europa tem olhado na direção da interrupção da lógica aceleratória com iniciativas como a da RBC (Renda Básica de Cidadania), já que a “dignidade humana é intocável” (cit. o art. I da constituição alemã) e uma vida sem o mínimo não pode ser digna nem permitir o “livre desenvolvimento da personalidade” (cit. art. II), não? Como o sr. avalia isso?

Eu sou um partidário da Renda Básica de Cidadania, por diversos motivos. Quanto mais reflito sobre eles, mais favorável me torno – e mais indignado também! Pois a promessa fundamental do capitalismo é, como Marx constatou, que nos tornaríamos economicamente bem sucedidos, eficientes, que as condições materiais da existência, a luta pela sobrevivência não deveriam mais ser dominantes. É nesse sentido, como Marcuse coloca, que a vida poderia ser ‘pacificada’, ao assegurarmos as condições materiais de vida. E já alcançamos esse estágio há muito por conta de extrema produtividade, ao menos na Europa. O fato de ainda assim despendermos recursos e energia, concentrarmos medos e paixões na luta pela existência econômica é simplesmente um escândalo! A Renda Básica de Cidadania teria muitos efeitos, um deles seria a certeza de que a existência do indivíduo estaria assegurada, especialmente a existência social! Acredito que o problema principal não seria o valor. Claro que o (auxílio de nível IV do plano) Hartz, por exemplo, é pouco, gera indignação, em alguns casos extremo arrocho financeiro e até protestos, mas o pior de tudo é a dependência, a depravação geradas, a subtração de todo reconhecimento, o completo desprezo associado ao benefício!

Recebe-se o dinheiro, mas não a dignidade…

Exato! De fato é uma degradação moral, que age não apenas nas pessoas pobres que recebem o auxílio, mas também nas que não recebem, gerando o pavor mortal da ‘condenação’ pela ineficiência, pelo desemprego, pela desatualização, cuja pena é a degradação moral. Para os sujeitos sociais é um medo tão grande quanto o de perder a vida. Eles não são movidos pela avidez, mas pelo medo da decadência! A Renda Básica de Cidadania, que é em princípio executável economicamente e estaria em conformidade com a atual configuração das forças de produção, eliminaria o fator ‘medo’ dessas relações. Não acho que a RBC faria as pessoas ficarem sentadas no sofá de casa em frente à tv com uma cerveja na mão. É o sistema atual que leva as pessoas à passividade, o que também está relacionado com a degradação. Sou a favor da RBC, só não sei quem a instituirá primeiro.

Ou quem dará o primeiro exemplo de renúncia à lógica de crescimento, à alienação. Talvez Pepe Mujica, presidente uruguaio, que adota um estilo de vida simples?

Não o conheço.

Muitos ainda não o conhecem, mesmo no Brasil. Sobretudo, a geração atual de adultos ainda se orienta e se informa preponderantemente através da televisão – que no Brasil é praticamente um monopólio e infelizmente possui um papel decisivo, por exemplo, nas disputas políticas através da veiculação de propagandas e debates. A geração mais jovem tende a buscar outras fontes por meio da internet, parecido com o exemplo do mundo árabe.

Embora o exemplo do mundo árabe seja, nesse sentido, extremamente desencorajante... Consegue-se reunir jovens em grandes praças para protestar e mostrar resistência, mas eles não falam por toda a população. Na Turquia, por exemplo, no caso do parque (Taksim) Gezi. Faltam ideias comuns de transformação…

O que se aplica igualmente aos protestos de 2013 no Brasil, assim como à sensação de atomização, à dificuldade de se gerar um consenso, como no caso das eleições de outubro de 2014, em que os debates levaram não a uma escolha mais consciente, mas à constatação de que nenhum candidato é de fato um bom representante, de ser preciso escolher o menos pior.

É a alienação política, uma vez que a política deixa de ser um instrumento de ressonância. Descrevo isso em minha teoria, assim como (Ingolfur) Blühdorn também o fez. A alienação pode resultar da relação entre representados e representantes, ou seja, não importa quem eu eleja, os políticos não me representam, não reagem às necessidades ou não reagem a tempo. Há ainda a alienação entre representados e o mundo, no sentido de que o mundo não é controlado pela política, mas sim por fatores técnicos ou econômicos. Em resposta a isso surgem partidos ou tendências mais radicais numa tentativa de reestabelecer a relação (de ressonância), o diálogo.

Nesse sentido, espero que nosso diálogo seja uma contribuição ressonante aos leitores brasileiros, Hartmut Rosa, e agradeço pela oportunidade!

Foi um prazer!

notas de rodapé

 
[1]ROSA, Hartmut. Beschleunigung und Entfremdung: Entwurf einer kritischen Theorie spätmoderner Zeitlichkeit. Traduzido do inglês para o alemão por Robin Celikates. Berlim: Suhrkamp Verlag, 2013.
[2]ROSA, Hartmut. Beschleunigung. Die Veränderung der Zeitstrukturen in der Moderne. Frankfurt a. M.: Suhrkamp, 2011. Título da tradução do livro para o português: Aceleração. Uma análise sociológica do tempo na Modernidade. Traduzido para o português brasileiro por Rafael H. Silveira. Submetido para publicação no Brasil.
[3]ROSA, Hartmut. Beschleuigung und Entfremdung: Entwurf einer kritischen Theorie spätmoderner Zeitlichkeit. Traduzido do inglês para o alemão por Robin Celikates. Berlim: Suhrkamp Verlag, 2013.