1

2

  • Temporalidades

    Temporalidades

    por 
    Luiz Menna-Barreto e Mario Pedrazzoli
    resumo 
    Esta edição da Revista Estudos Culturais foi dedicada a estudos sobre o tempo, tema recorrente em diversas áreas do conhecimento e que vem adquirindo relevância crescente num mundo globalizado no qual as pessoas acabam se expondo a desafios inéditos até meados do século XX. Atravessamos fusos horários, acompanhamos bolsas de valores em Tóquio e Nova York e assistimos a jogos que ocorrem do lado oposto do planeta, numa sucessão de eventos que acontecem em tempos próprios e que nem sempre coincidem com os tempos de cada indivíduo. Surge nesse contexto certa tensão entre nossas percepções da passagem do tempo, aquela interna que dialoga com nosso sono ou fome e a outra externa, imposta pelos vários relógios aos quais tentamos obedecer. Dessa tensão emergem reflexões que trazemos aos leitores, reflexões inspiradas em diferentes olhares que vão desde aspectos filosóficos e sociológicos a aspectos biológicos.
  • Sobre os autores

    Sobre os autores

    resumo 
    Luiz Menna-Barreto, Mario Pedrazzoli, Robert Levine, Muara Kizzi Figueiredo, Rafael H. Silveira, Rafael Chequer Bauer, Alexandre Panosso Neto e Luiz Gonzaga Godoi Trigo escrevem no número dois da Revista de Estudos Culturais.
  • Ordem e progresso, aceleração e alienação

    Ordem e progresso, aceleração e alienação

    por 
    Rafael H. Silveira
    resumo 
    Como diversos exemplos dados em Aceleração e alienação [1] [1] ROSA, Hartmut. Beschleunigung und Entfremdung: Entwurf einer kritischen Theorie spätmoderner Zeitlichkeit. Traduzido do inglês para o alemão por Robin Celikates. Berlim: Suhrkamp Verlag, 2013. confirmam, a condição de especialista no campo da aceleração social muitas vezes não exime o próprio autor da ação dos fenômenos por ele analisados – sobretudo por se tratar de uma das personalidades acadêmicas mais conhecidas, citadas e requisitadas na imprensa alemã atualmente. Como minha resenha da análise de Hartmut Rosa mostra, a obra está longe de ser die Entdeckung der Langsamkeit ou um éloge de la lenteur, como interpretado por alguns. No diálogo, conduzido em 23/10/2014 na cidade de Jena, Alemanha, originalmente em alemão, transcrito, editado e traduzido para o português por Rafael H. Silveira, são abordados pontos que complementam o entendimento da Teoria da Aceleração através de uma perspectiva voltada para a realidade brasileira.
  • Tempo e bem estar

    Tempo e bem estar

    por 
    Robert Levine
    resumo 
    Neste artigo examino o impacto da experiência temporal – o emprego do tempo, concepções do tempo e normas temporais - sobre a felicidade e o bem estar; sugiro políticas públicas voltadas à ampliação dessa experiência. Inicio com uma revisão da literatura relativa às interrelações entre o tempo, dinheiro e felicidade. Em segundo lugar, reviso dados e questões em torno dos horários de trabalho e não trabalho ao redor do mundo. Em terceiro lugar, descrevo numa perspectiva mais ampla as questões temporal que deveriam ser levadas em consideração nas decisões de políticas públicas, por exemplo, medidas de relógio versus eventos, enfoques monocrônicos versus policrônicos, definições de tempo perdido, ritmo de vida e orientação temporal. Concluo com sugestões para a elaboração de políticas do emprego do tempo voltadas para aumentar a felicidade individual e coletiva. Trata-se de um truísmo virtual o modo como empregamos nosso tempo se expressa no modo como vivemos nossas vidas. Nosso tempo é o bem mais valioso do qual dispomos. Boa parte desse tempo, no entanto, é controlado por outros, desde nossos empregadores até nossos familiares mais próximos. Também está claro que existem diferenças profundas – individuais, sócio econômicas, culturais e nacionais – no grau de controle que indivíduos exercem sobre seus próprios tempos (ver p. exemplo LEVINE, 1997; LEE, et al., 2007). Pode ser argumentado que políticas públicas são necessárias para proteger os “direitos temporais” dos indivíduos, particularmente aqueles mais vulneráveis à exploração. Este artigo foi motivado por um projeto de largo espectro do qual tive a oportunidade de participar. O projeto começou na primavera de 2012 na sequência de uma resolução da ONU, aprovada por unanimidade em sua Assembleia Geral, na qual “felicidade” foi incluída na agenda global. O Butão foi convidado a receber um grupo interdisciplinar de “experts” internacionais com a tarefa de elaborar recomendações para incentivar a busca da felicidade no planeta; mais especificamente desenvolver um “novo paradigma para o desenvolvimento mundial”. O Butão é um pequeno país pobre, cercado de montanhas na região do Himalaia, foi escolhido para essa tarefa em função do pioneirismo de seu projeto de “Felicidade Nacional Bruta” - FNB (Gross National Happiness - GNH). “Progresso” na definição dos autores desse projeto, “deveria ser visto não apenas através das lentes da economia como também a partir de perspectivas espirituais, sociais, culturais e ecológicas”. Felicidade e desenvolvimento, em outras palavras, dependem em mais fatores do que o crescimento e acumulação de capital. Inglaterra, Canadá e outros países e organizações de dimensões nacionais seguiram na mesma direção do Butão, estabelecendo medidas de FNB (LEVINE, 2013). Um dos domínios centrais do índice de FNB do Butão é “emprego do tempo” que correspondeu à minha participação no relatório do grupo de estudo. Este artigo está bastante apoiado naquele relatório e nas inferências que o projeto me proporcionou. Discuto quatro conjuntos de temas: I. As interrelações entre tome, dinheiro e felicidade. Máxima importância, qual a relevância do emprego do tempo com o bem estar e a felicidade? II. Emprego do tempo: questão dos horários e políticas de organização do trabalho. III. Outors fatores tempais que devem ser considerados ao formularo políticas de promoção de felicidade.. IV. Sugestões para elaboração de políticas: a chamada para uma “Lei de Direitos Temporais”.
  • A ilusão dos relógios: uma ameaça à saúde

    A ilusão dos relógios: uma ameaça à saúde

    por 
    Mario Pedrazzoli
    resumo 
    A mecanicidade ou digitalidade dos relógios representa a imutabilidade da duração de frações de tempo. A contagem das 24h de um dia teve como referência, a princípio, as pistas ambientais associadas às condições do dia e da noite que são diferentes em diferentes locais da terra e portanto mutáveis. A emergência de uma sub-área da Biologia, a Cronobiologia, em meados do século XX permitiu a interpretação de que a apreensão do tempo de um dia como regularidade mecânica aliena os seres humanos da percepção da temporalidade diária como integração entre temporalidade ambiental e temporalidade biológica. Pretendo demonstrar que esse equívoco perceptual da duração do tempo de um dia pode ter como consequência uma desorganização temporal fisiológica que é a origem ou está associada a origem de muitas doenças modernas.
  • Os horários fora de lugar – ritmos biológicos e literatura

    Os horários fora de lugar – ritmos biológicos e literatura

    por 
    Muara Kizzy Figueiredo
    resumo 
    Este trabalho analisa a relação existente entre personagens e ambiente e objetiva investigar como, supostamente, se deu a implantação no Brasil do século XIX dos ritmos sociais europeus, tendo em vista os ritmos biológicos da população brasileira (em termos coletivos) – adaptada ao ambiente tropical. Para tal estudo, foram analisados alguns textos literários do período (em especial a obra de Machado de Assis e Eça de Queirós) - visando identificar menções aos horários de sono, refeições, atividades sociais e aspectos do sono; bem como a leitura de autores contemporâneos que discutem a construção de identidades nacionais – em especial no Brasil – e ainda; autores que investigam a temática do tempo – seja em termos cronológicos, psicológicos e biológicos.
    palavras-chave 
  • Slow movement: reação ao descompasso entre ritmos sociais e biológicos

    Slow movement: reação ao descompasso entre ritmos sociais e biológicos

    por 
    Rafael Chequer Bauer, Alexandre Panosso Netto e Luiz Gonzaga Godoi Trigo
    resumo 
    Este artigo discute o descompasso entre os ritmos biológicos e os ritmos sociais emergentes a partir da Revolução Industrial. Para tal, são apresentados indícios de mudanças rítmicas nas últimas décadas, acarretando um processo contínuo e profundo de aceleração e mecanização sociocultural, predominante nas estruturas societárias capitalistas. Em seguida, discute-se a relação entre ritmos sociais e ritmos biológicos, com a contribuição conceitual advinda da Cronobiologia. Por fim, destaca-se o processo de surgimento e consolidação do Slow Movement nas últimas décadas, tornando-se mais um indício da desarticulação temporal vivenciada nos dias atuais.
  • Os tempos da vida

    Os tempos da vida

    por 
    Luiz Menna-Barreto
    resumo 
    O tema do tempo tem atraído bastante atenção no ambiente acadêmico contemporâneo. Apresentarei uma abordagem na qual são associados os conceitos de condicionamento reflexo clássico com a cronobiologia, área na qual a dimensão temporal da matéria viva é explorada. O conceito de antecipação é proposto como elo central dessa associação. Discuto a seguir os níveis de determinação que podem ser propostos a partir da observação de fenômenos temporais nos organismos. Concluo com as noções de desafios e armadilhas temporais que parecem caracterizar fortemente os dilemas humanos num mundo globalizado, conduzindo a diferentes processos de adaptação resultantes desses desafios e armadilhas.
  • Resenha do livro Aceleração e alienação: Esboço de uma teoria crítica da temporalidade na Modernidade tardia, Harmut Rosa

    Resenha do livro Aceleração e alienação: Esboço de uma teoria crítica da temporalidade na Modernidade tardia, Harmut Rosa

    por 
    Rafael H. Silveira
    resumo 
    Em Aceleração e alienação: Esboço de uma teoria crítica da temporalidade na Modernidade tardia, Hartmut Rosa recapitula resumidamente e amplia sua Teoria da Aceleração Social. A ampliação da teoria se dá em primeiro lugar através da análise de elementos desaceleradores da tendência aceleratória e, em seguida, da análise das consequências da aceleração para a Teoria Crítica social atual, cujos questionamentos levantados e respostas dadas até o presente momento não apresentariam uma solução para a perda da credibilidade do projeto da Modernidade, uma vez que a aceleração social teria sucumbido e instrumentalizado a possibilidade de autonomia prometida. Partindo da busca de uma resposta à questão de o que seria uma vida plena, Rosa retraça, assim, o contexto do surgimento de diferentes categorias de alienação, retratando em sua teoria uma tendência social crescente extremamente relevante e em crescimento na era moderna.

3

  • Editorial

    Editorial

    por 
    os editores
    resumo 
    A Revista Estudos Culturais chega agora ao seu número três, no mesmo momento em que o Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais da EACH-USP completa seu sexto ano de atuação. O amadurecimento de nossas empreitada é marcado pela amplitude dos temas desta edição da Revista. O campo dos estudos culturais, sempre liberto das amarras disciplinares tradicionais, aparece aqui em várias de suas múltiplas chaves.
  • Sobre os autores

    Sobre os autores

    resumo 
    Eduardo Wanderley Martins, Carlos Velázquez, Damián Cabrera, Madalena Pedroso Aulicino, Daniela Signorini Marcilio, Agnès García Ventura, André Vitor Brandão Kfuri Borba e Mariana Moreira.
  • Mídia: o Novo Totem Dessacralizado

    Mídia: o Novo Totem Dessacralizado

    por 
    Eduardo Wanderley Martins e Carlos Velázquez
    resumo 
    O presente texto tem como objetivo refletir sobre a função de mediação da Mídia para o Sagrado, partindo da concepção de Mídia como novo totem nas sociedades contemporâneas. Sob a metodologia indutivo-analítica de base bibliográfica e documental, explora-se a hipótese de que a mídia, como novo totem nas sociedades midiáticas , cumpre a função organizadora, mas não a função mediadora. A mídia não liga as aspirações e necessidades humanas ao Transcendente, encerrando em si mesma a satisfação dessas aspirações através do fornecimento de bens simbólicos, mas que não têm contato com suas fontes originárias – não há relação com o Sagrado. Dessa forma, a mídia se apresenta nas sociedades midiáticas como um totem dessacralizado - oferece bens de grandes valores universais, mas desprovidos de lastro divino.
    palavras-chave 
  • Literatura paraguay/guaraní - transversalidades

    Literatura paraguay/guaraní - transversalidades

    por 
    Damián Cabrera
    resumo 
    Passando por trabalhos compilatórios dos escritores paraguaios Augusto Roa Bastos e Rubén Bareiro Saguier, e a partir de discursos literários e não literários, analisa-se a ambiguidade fundada na palavra guarani; que designa, indistintamente, uma língua, uma cultura, uma etnia; e que, por metonímia, constitui-se em apelido-gentílico dos paraguaios. Relações entre literatura paraguaia e literatura Guarani são exploradas, desde a perspectiva dos autores citados; tanto conhecedores e divulgadores da mesma, como dois dos poucos paraguaios capazes de ultrapassar um cerco de isolamento cultural graças, em parte, ao exílio político; sob a luz de uma tradição crítica latino-americana hispanizante que, enquanto invisibiliza a literatura paraguaia, contribui com uma mistificação dela, fundada em sua peculiaridade linguística, seja ela real ou inventada.
    palavras-chave 
  • O brincar e o saber de experiência: uma forma de resistir

    O brincar e o saber de experiência: uma forma de resistir

    por 
    Madalena Pedroso Aulicino e Daniela Marcílio
    resumo 
    O brincar é uma atividade livre e séria, possui finalidade autônoma e é um intervalo da vida cotidiana (HUIZINGA, 2005; CAILLOIS, 1990). A criança se desenvolve, adquire experiência, constrói e transmite sua cultura lúdica brincando (WINNICOTT, 1979; BROUGÈRE, 2008). Mas, que brincar é esse promovido e recomendado na atualidade? O objetivo desse artigo é refletir sobre a redução do tempo da infância em prol de uma ideologia da produção e do consumo, que valoriza a informação, o conhecimento e o aprendizado técnico e científico, e reduz o “saber de experiência” (BONDÍA, 2002). Nesse contexto, a retomada do brincar como atividade livre e uma experiência de vida seria uma possibilidade de resistência aos valores vigentes. Constatou-se que os Estudos Culturais como estratégia crítica e política podem contribuir para repensar o brincar hoje.
    palavras-chave 
  • Investigación feminista, historia de las mujeres y mujeres en la historia en los estudios sobre Próximo Oriente Antiguo

    Investigación feminista, historia de las mujeres y mujeres en la historia en los estudios sobre Próximo Oriente Antiguo

    por 
    Agnès García Ventura
    resumo 
    Suele decirse que el estudio del pasado siempre tiene relación con el presente y con el futuro, bien porque presente y futuro se construyen a su imagen y semejanza, bien porque no podemos imaginar un pasado sin los referentes de nuestro presente. Por este motivo, ocuparse de la historia de las mujeres en la Antigüedad y de cómo incluir a las mujeres en la historia, nos permite reflexionar acerca de la situación de las mujeres en el mundo presente en el que vivimos y en el mundo futuro en el que querríamos vivir. En este artículo propongo aproximarnos a este tema con las herramientas críticas de la investigación feminista, ilustrando la propuesta con algunos ejemplos acerca de cómo algunos sesgos pueden afectar al modo en que se aborda el estudio de las vidas de las mujeres en el Próximo Oriente Antiguo.
  • A higienização do século XIX e o "contra corrupção" do século XXI: Similaridades no discurso das elites no Brasil

    A higienização do século XIX e o "contra corrupção" do século XXI: Similaridades no discurso das elites no Brasil

    por 
    André Vitor
    resumo 
    Cada momento histórico é único, mas carrega em si tensões permanentes, num paradoxo entre o novo e o velho, valendo-se de novas experiências sem, entretanto, negar toda a bagagem cultural adquirida. Assim, este trabalho busca relacionar dois momentos distintos da história do Brasil, mas com características em comum: a higienização do início da República e o momento recente, em que estava em jogo o mandato da presidente Dilma Rousseff. Por ser o Brasil um país com pouca mobilidade social e sem alterações substanciais no seu controle político, veremos como os interesses das camadas superiores da sociedade se reproduzem e se perpetuam, no intuito de fazer a população aderir a essa ideologia em favor de seus interesses privados.
    palavras-chave 
  • Resenha do livro Memória Coletiva e Identidade Nacional, Miryam Santos

    Resenha do livro Memória Coletiva e Identidade Nacional, Miryam Santos

    por 
    Mariana Moreira
    resumo 
    A presente resenha aborda o livro “Memória Coletiva e Identidade Nacional”, de autoria de Myrian Sepúlveda dos Santos. Importante pesquisadora de temas como memória, identidade, práticas políticas, culturais e relações raciais, obteve seu título de doutora em Sociologia pela New School for Reserch de Nova Iorque e desenvolveu pesquisas em pós-doutorado no Centro de Estudos Latino-Americanos da University of Cambridge; no Centro de Pesquisa sobre Relações Sociais da Université de Paris V e no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Atualmente é professora associada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e coordena o Grupo de Pesquisa Cultura e Poder, registrado no CNPQ Arte, e o museu Afrodigital. Suas análises abordam teorias de nomes de grande relevância para os Estudos Culturais como Karl Marx, Walter Benjamin, Michel Foucault, Maurice Halbwach, Stuart Hall entre outros.
    palavras-chave 
artigo anterior 

A fome antropofágica - utopias e contradições

por 
Fernanda Oliveira Filgueiras Santos e Mauro de Mello Leonel
resumo 
O Modernismo no Brasil significou um marco, que anunciou o fim de um período cultural caracterizado pelo legado e pelo conservadorismo. O Movimento Antropofágico foi a síntese artística e intelectual dessas reflexões. Este trabalho se propõe a discutir as contribuições e controvérsias deixadas pelo movimento no contexto de urbanização e cosmopolitismo em que ele emergiu na cidade de São Paulo.
palavras-chave 
 
memória

A versão encantada da pós-modernidade

por 
Mauro de Mello Leonel e Maira Mesquita
resumo 

O livro em epígrafe tem como objetivo principal relatar com rigor cronológico as origens das versões de pós-modernidade ("não como idéia, mas como fenômeno"), remontando ao modernismo. Numa abordagem incomum o autor percorre, no tempo e nas circunstâncias, as dimensões estéticas, históricas e políticas da express

 
The enchanted of post modernism
 

Resenha do Livro "As origens da Pós-Modernidade" de Perry Anderson [2]

"(...) que sorrateiro esse silêncio"- Fredric Jameson

O livro em epígrafe tem como objetivo principal relatar com rigor cronológico as origens das versões de pós-modernidade ("não como idéia, mas como fenômeno"), remontando ao modernismo. Numa abordagem incomum o autor percorre, no tempo e nas circunstâncias, as dimensões estéticas, históricas e políticas da expressão pós- modernidade. Perry Anderson relata que aceitou fazer um prefácio para a coletânea de Fredric Jameson, The Cultural Turn, e terminou por escrever este livro seminal, revisitando os principais expoentes do "pós-modernismo". No prefácio, demonstra desconforto, pois nunca escrevera "sobre uma obra que de alguma forma não admirasse", mas que essa resistência contribuiu ao impulso de fazê-lo. Distingue admiração intelectual de simpatia política e confessa ter distância de Jameson, o que o deixou inseguro, mas não o impediu de alargar as discussões. Ao final do livro, reconciliado, admite que Jameson foi sempre um pensador engajado e nada apolítico e o elogia por sua clareza, eloquência e sua resistência aos "ventos da época".

Destaca ainda que Jameson publicou na New Left Review o ensaio Postmodernism - the Cultural Logic of Late Capitalism. Segundo Anderson, a New Left Review foi, na altura, a mais viva "república das letras do socialismo europeu". Stuart Hall chegou a dizer que ali se podia, inclusive, gritar com o marxismo. Vale lembrar que poucos como Hall e Anderson conheceram esta revista na intimidade, uma vez que o segundo a dirigiu durante vinte anos, a partir de 1962.

O ensaio de Jameson liga o pós-modernismo a uma fase do capitalismo, não apenas como uma ruptura estética, e sim como o sinal cultural de um novo estágio no modo de produção reinante. Anderson estranha ainda que Lyotard (Socialisme ou Barbarie) e Habermas (Escola de Frankfurt), ambos de formação marxista, não tenham compartilhado desta visão. Acrescenta que Jameson separa-se das grandes expressões do marxismo afetadas por um pessimismo; “a destruição da razão ( Lukács), a guerra de posições (Gramsci), o anjo da catástrofe (Benjamim), o sujeito prejudicado (Adorno), a violência da miséria (Sartre), a ilusão onipresente (Althusser)". Todos falavam de um presente implacável, do estóico ao melancólico, do frio ao apocalíptico. A escrita de Jameson seria diferente, conclui.

Embora não tenha sido confortável para a esquerda, o tratamento que lhe deu nunca foi amargo ou melancólico. "A mágica do estilo de Jameson é tornar real o que pode parecer impossível - um lúcido encantamento do mundo". Uma onda de maravilha e prazer: "mover-se, instruir-se, deliciar-se", prazeres do intelecto e da imaginação. E reverencia a estética de Barthes, o situacionismo de Baudrillard, a substituição promovida por Foucault das teorias para as genealogias e reserva-se frente ao imobilismo de Adorno.

Pós-modernismo, recapitula Anderson, é antes modernismo. Essa corrente de inspiração nasce na América hispânica, ou seja, na periferia, fora das grandes metrópoles cosmopolitas da Europa e dos Estados Unidos. Trata-se do movimento político estético em torno ao poeta nicaraguense que escrevia num periódico guatemalteco sobre um embate literário no Peru. Rubén Darío, em 1890, cunhou a expressão modernismo, inspirando-se nas escolas francesas (romântica, parnasiana e simbolista), para uma "declaração de independência cultural" face à Espanha. Nesse movimento, emancipou as próprias letras espanholas de seu passado.

Na década de 1930, a expressão "pós-modernismo" surgiria na Espanha, através de Frederico de Onís, amigo de Unamuno e Ortega. O espanhol inaugura os termos postmodernismo e ultramodernismo, tratando-os como categoria estética. Ele apresenta o contraste da lírica produzida na época, dando a ver, numa coletânea, as vanguardas que criavam uma "poesia rigorosamente contemporânea", como Lorca e Neruda. Assim, Onís cria a ideia de um estilo pós-moderno, que será referendado pela crítica hispanófona, acrescenta o autor. Vale lembrar entre nós a Semana modernista de 22.

Essas expressões foram cunhadas num universo ibero-americano e, duas décadas depois, chegariam ao mundo anglo-saxônico, por meio do Study of History de Arnold Toynbee. Em 1954, chamou a época iniciada com a guerra franco-prussiana de "idade pós-moderna", trazendo o termo à categoria de época histórica, como exemplos o Japão da era Meiji, a Rússia bolchevique, e a recém-nascida China maoísta. Por um lado, era severo com a arrogância do Ocidente imperial, por outro desconfiado desses novos regimes.

Em seguida, refere-se a Charles Olson, que na volta de Yucatán, onde se interessou pela cultura Maia, escreveu que o início do século XX levou ao pós-moderno e ao pós- Ocidente. Considerou um presente vivo pós-humanista, pós-histórico, inserido num projeto estético-poético inovador, ligado a uma história profética de revolução política.

Em 1959, em Nova Yorque, o termo reapareceu. Desta vez com Wright Mills e Irving Howe, ambos de esquerda, invertendo-se o conceito para o que era menos moderno, e não para o que era mais moderno. Consideravam falidos o liberalismo e o socialismo, numa sociedade cega, amorfa e vazia. Outros dois autores, Fiedler e Etzioni, ao contrário, consideram que o "pós-moderno" era o pós-guerra norte-americano, com o declínio do poder das grandes empresas e a chance da democracia tornar-se "senhora de si mesma".

Em seguida, introduz o egípcio Hirab Hassan, colaborador na revista de Olson, a boundary 2. Em 1971, Hassan introduziria uma outra noção de pós-modernismo, que ia de Kafka a Beckett. Dá conta da importância de MacLuhan. Hassan teria passado do silêncio às "anarquias do espírito", "subvertendo as altivas verdades do modernismo" em todas as artes, "da espaçonave Terra à aldeia global, da facção ao happening". Hassan recorreu a Foucault, na noção de "corte epistemológico" para indicar mudanças semelhantes na ciência e na filosofia", na esteira de Nietzsche.

Admite ambivalência frente à política "que pode sobrecarregar nossas reações à arte e à vida"; no "jugo de ferro da ideologia"; "preconceito coletivista e desconfiança sobre prazer estético" e o "blefe americano da tolerância e do pragmatismo". Criticou ainda termos como esquerda e direita, superestrutura, materialismo e idealismo, que teriam se tornado "quase inúteis a não ser para perpetuar o preconceito". Hassan retomaria o termo ultramodernismo de Onís. Em 1987, publicou The pos-modern turn, dizendo que a guinada desmistificadora fora errada, tornou-se kitsch, pilhéria eclética, lascívia e descrenças fúteis.

Descreve ainda a entrada de Jean-François Lyotard, com a publicação de A condição pós-moderna, inspirado em Hassan, numa encomenda sobre o conhecimento contemporâneo pelo partido nacionalista do Quebec. Pelo caminho de Daniel Bell e Alain Touraine , chegou ao conceito de sociedade pós-industrial: a sociedade não era mais possível de ser vista como um todo orgânico (Parsons) ou num conflito dualista (Marx). Agora, a sociedade seria uma rede de comunicações linguísticas e inter-relações agonísticas.

A ciência teria se reduzido à linguagem, sem qualquer superioridade face aos estilos narrativos comuns. Para Lyotard nem mais a humanidade da Revolução Francesa, "agente heróico de sua própria libertação", nem a revelação da verdade do idealismo Alemão, que via o espírito como "progressiva reverberação da verdade", mitos justificadores da modernidade. O pós-moderno seria o fim dessas metanarrativas.

Anderson considera que Lyotard inspirou um relativismo vulgar, até por ter deixado de fora as artes e a política. Chega a referir-se ao gozo erótico que teriam os primeiros operários da indústria, aos masoquistas ou histéricos da saúde nas fábricas e à identidade nas favelas. Do socialismo revolucionário, Lyotard passa ao niilismo hedonista. Os jovens seriam os arautos da revolta, não mais a classe e o capitalismo, apenas um aerodinâmico mecanismo do desejo. Terminou identificado com os Nouveaux Philosophes, que vinham dos protestos de 1968 para uma posição crítica maniqueísta ao gulag. Não há arte, há só distribuição de energia.

Em Frankfurt, Habermas discursa sobre Modernidade - um projeto incompleto, ao receber o prêmio Adorno. Entendido como reação à obra de Lyotard, para Anderson, o que houve foi uma "contra-dança". De Baudelaire ao dadaísmo, afirma Habermas, "as vanguardas tinham envelhecido", daí a força da idéia de pós-modernidade da qual teóricos neoconservadores como Daniel Bell "tiraram perversa conclusão". Anderson conclui que a entrada de Lyotard e Habermas no debate pós-moderno lhe trouxeram autoridade filosófica, mas com contribuições indecisas. Ambos de formação marxista, diz Anderson, pouco trouxeram para análise da pós-modernidade. Assim, a ideia do pós-moderno nessa conjuntura tornou-se apanágio da direita, do neoconservadorismo: "não podia haver nada mais que o capitalismo. O pós-moderno foi uma sentença contra as ilusões alternativas".

Jameson considera que o político não é apenas um método suplementar ou auxiliar opcional, como nas molduras concêntricas dos textos "mitocrítico, estilístico, ético e estrutural". Anderson vê em Jameson uma clara hierarquia do econômico ao social, e deste ao político, ao que a história é reduzida. Anderson apresenta uma objeção mais substancial aos argumentos de Jameson: o predomínio global do pós-moderno choca com a ausência de uma plena modernização capitalista nas áreas do antigo Terceiro Mundo.

notas de rodapé

 

1 ANDERSON,P. As Origens da Pós-Modernidade.  Tradução Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999.